Antigamente era tudo diferente na Mourísia. Não havia estradas. Não havia nada. Era os bezerros aí a lavrar. Era uma estrada com terra. Com os molhitos às costas. Molhos de mato para a fazenda. Agora está muito diferente do que era. Está muito melhor. Fez-se a estrada da serra para baixo, quando passou por cima, fez-se da serra para baixo, e daqui para o Sobral Gordo e assim sucessivamente. Isto agora está muito melhor do que era dantes. Uma pessoa dantes era tudo às costas. Era uma miséria. A Comissão de Melhoramentos tem feito muito serviço.
Também não havia luz. Era com um candeeiro a petróleo. Para andar na rua à noite era com dois paus na noite escura. Eu quando vim de Lisboa para cima já vinha com outras ideias, que era tudo mais diferente, já tínhamos o motor para fazer luz, até era eu que lidava com ele, ia apagá-lo antes da gente se deitar. E depois fazia sinal para a casa onde estava o patrão, antes de o apagar, tinha de fazer sinal três vezes, e tudo se ia deitar, e eu via mais ou menos, eu estava na cama, fechava o gasóleo.
A água era uma nascente. Agora já não vou buscar a água. Até foi um que estava na Comissão, já morreu, coitado do homem, chamava-se Alberto Dias, esse é que tratou de a água vir para a Mourísia. Eu fartei-me de trabalhar, vim meter os tiros “pia abaixo”, a peneda era rija.
E havia muito mais gente do que agora. Começaram a ir para Lisboa, que dantes poucos iam para Lisboa. Agora é que começaram a ir, e nunca mais voltam. E a gente dava-se bem uns com os outros. Nunca andava zangado com ninguém. Eu não gostava de ficar zangado com ninguém. As pessoas eram felizes. Quando vim para a Mourísia tinha cá família. Gostava de vir para o pé deles, dava-me bem com eles, e eu gostava de vir. Dão-se bem uns com os outros e eu gosto de gente assim. Eu gosto de paz e sossego.