As raparigas tinham que ir trabalhar. Tinham que ir ao mato e à lenha e fazer as cavadas. Quando era à noite trazíamos um molho de lenha. Tínhamos sempre que fazer. Não sei que idade tinha quando comecei. Se calhar ainda nem prestava para fazer nada e comecei a guardar o gado. Eram umas ovelhas e cabras. O mais novo é que tinha que guardar o gado. Não tinha força para andar atrás delas, descalça. Por cima de silvas e de tudo. Depois fui para servir, também fui para guardar gado. Chegava a casa e tinha que ir acartar a água. Eu passei uma vida... Punham a gente a servir por modo de ganhar alguma coisa para casa. Para comprarem as terras. Mas o que é que a gente ganhava? Era só para vestir e calçar. Mais não ganhava quase nada. Tinha uns 12, 13 anos, não tinha mais. Era um bebézelho. Às vezes ia a minha mãe, de 15 em 15 dias. Eu vir a casa não vinha, eles é que lá iam. E alguma coisa de dinheiro que lá tinha de mês a mês, lá o traziam. Estive na Benfeita, no Travasso quando a gente vai para o Cabeço da Chama. Eram só três moradores naquele tempo. A guardar as ovelhas, no Inverno e no Verão. Os patrões tratavam-me muito bem. Ainda assim, não tenho o que dizer. Muito comer, muito comer. Azeitonas era de uns anos para os outros. Até me iam levar o comer, quando andava perto. Deixava as ovelhas e as cabras, e eles iam-me levar e eu comia ao pé delas. O rebanho não fugia, mesmo as que eu agora tenho andam de roda de mim, só a ver quando é que eu me venho embora. E aquelas eram na mesma. Eu cantava muito, andava sempre a cantar, assim em frente da casa, e depois os meus patrões quando me ouviam a cantar:
- “Olha ela não está a dormir, anda a cantar.”
Se não me ouvissem cantar já sabiam que eu estava a dormir. Mas o gado não saía do pé de mim para fora. Nunca levei porrada por via do gado ir para outros lados. Era uma beleza. E estas agora é na mesma. Sento-me aqui, tenho que me mudar para elas irem comer. Que elas não vão. Se não me virem voltam para trás.