Andei na doutrina. Era em Pomares. Não havia carro. Era tudo a pé. Agora daqui para a Moura já é tudo de carro. A gente caminhava e brincávamos umas com as outras. Esse dia é que era uma farra. Levávamos uma linha e aquilo dobrava-se e:
- Vá, agora puxa tu.
Depois era, é o teu amor e fazíamos aquilo assim. Até com os rapazes. Às vezes juntavam-se, eram conhecidos da freguesia e também brincavam. Íamos descalças daqui para Pomares, só em Pomares é que calçávamos uns chinelitos de pano, que agora já nem se vêm. E a gente andava tudo alegre. Agora, anda tudo bem vestido e tudo triste. Quando chovia ou nevava era com umas tamanquitas, tinham um pauzito e para a frente eram uns paninhos para dentro. Aquilo tombava, enrolava-se a neve naquilo. Tanta vez que vim descalça do mato. Não se podia andar, com a neve. Eram dias e dias, dias e dias. Mas eram uns nevões que não se rompiam. Só a gente a pé. Não se podia de outra maneira. Tinha que se ir ao mato, mesmo debaixo de neve. Nem que a gente tivesse muito, naquele tanto tempo acabava-se. Depois tínhamos muito gado. Tínhamos um rebanho de cabras, tínhamos um rebanho de ovelhas. Aquilo dava muito trabalho. Andávamos quase todo o dia ao mato, quando estava bom, que se apanhava um dia assim esteado, andava-se todo o dia ao mato. Chegava-se lá pousava-se este molho e ia-se buscar outro. Só vinha a gente comer alguma coisa e tornava a ir. Era muito duro.
Eu fiz a Comunhão. Os meus filhos também fizeram. E eu também fui crismada, naquela altura. Para a minha filha mais nova comprei-lhe um vestido, branquinho e uma vela e não sei o que era mais. Ia muito bonita toda de branquinho. Na minha comunhão eu não sei. Com certeza fui com a roupa que trazia. Naquele tempo não havia dinheiro. Se havia alguma coisa era para comprarem mais fazenda. Eu e as minhas irmãs fôramos criadas muito mal. Porque não havia roupa. A gente até se envergonhava de ir para o pé das outras. Porque as outras andavam assim bem arranjadas. Até, às vezes, a roupa que era para se vestir à segunda-feira, tínhamos que a tirar depois que vínhamos da missa. Tínhamos que tirar aquela e pô-la além e ir lavar para o outro dia vestir. É verdade, era assim naquele tempo. Tinha que ser.