Éramos cinco irmãos. Duas raparigas e três rapazes. Nós começávamos a trabalhar logo de pequeninos. Quando andávamos na escola, ao meio-dia, vínhamos almoçar. A minha mãe, que Deus tem, já tinha o comer pronto. Comia e lá ia ela com o cesto levar o almoço ao meu pai que, às vezes, andava a serrar pinheiros. A serrar madeira, para as casas. E lá ia eu, também. Ainda era longe. Quando vinha de volta, já estavam a entrar para a escola. A professora até havia de me dar uma tolerância, porque eu não andava a brincar, andava a trabalhar. Alguns andavam na brincadeira. Mas, às vezes, chamava-me lá à secretária e ainda dava. Toma! Que é para almoçares. Quando chegava à escola, ainda levava tareia. À tarde, quando saíamos, aí vão eles trabalhar. Já ficava marcado ao meio-dia o que havíamos de fazer à tarde. Ou íamos botar o gado, pô-lo a pastar ou buscar uma lenhita, umas pinhas e uns pauzitos, porque os nossos pais não tinham tempo para andar atrás delas. Nós, as rapariguitas, ajuntávamo-nos e íamos para os pinheiros. Trazíamos umas pinhas ou uns pauzitos e os nossos pais já ficavam todos contentes. À noite, já dava para se aquecerem.
Os rapazes andavam aí sempre pelos barrocos. Havia aquelas poças grandes para estancar a água para depois a gente regar. Andavam lá sempre metidos nos poços em carrapatos a nado. Mas as pessoas, às vezes, queixavam-se:
- “Ai! Foram botar a poça a tal lado!”
Aquilo tinha uma laje grande, com um buraco por onde saía a água e um pau para tapar. Ora, eles até nem faziam aquilo por maldade, com certeza. Só que a nadar lá lhe tocavam. Pronto, ia-se a água embora. Quando as pessoas chegavam para regar - e, às vezes, com o renovo a precisar da água - já ela lá não estava. Já se tinha ido embora.
As raparigas ficavam em casa a trabalhar ou a brincar umas com as outras, com uns bonequitos quaisquer. A gente aqui não tinha bonecos, mas as raparigas tinham os pais em Lisboa. Quando era pelo Natal davam uns brinquedos aos filhos. Quando era mais crescida, tive uma boneca. Mas quando era assim pequeninita, e andava na escola, que é delas? Nada! Às vezes faziam-nas de trapos. Aquelas bruxas de trapos. Mesmo nós as fazíamos. Não havia doutras. E nós, tão contentes, a brincar com aquilo. Não havia outra coisa. Passávamos assim o tempo.