Aqui há três anos, houve este incêndio grande. Ardeu aí tudo. Foi por malvadez. Começou a arder ao fundo do povo, numas leiras que cá estavam cheias de erva, e lá em baixo na Coucedeira à mesma hora. Este daqui foi à hora que o pessoal estava a tomar a bica. Acudiu logo lá tudo. Ligaram as mangueiras, uns com baldes de água e outros a cavar terra e o que calha, apagaram-no logo. O lá de baixo, nem sei se lá apareceu alguém para o apagar. Andou por lá e cá veio ter. Ardeu tudo... Ardeu tudo e depressa. Tivemos de sair daqui. Era a polícia, aí com os carros a apitar. Até metiam aflição!
- “Preparem-se, porque tem que sair tudo daqui para fora! Tem que ir tudo para o Piódão!”
Eu disse:
- Ai, Nossa Senhora! Eu não vou!
- “Tem que ir! Tem que ir!”
Ao fim, o meu filho mais velho disse:
- “Ó, mãe, tem que ir... Você não quer ir, mas tem que ir, porque com o problema que você tem, morre intoxicada com o fumo. E sabe que depois nem pode vir um médico, nem pode vir uma ambulância, nem pode vir nada!”
Pois. Andando tudo a arder, não podiam passar. Eu disse assim:
- Olha, também se morrer, morro em casa.
Mas depois havia aí gente de Lisboa e veio logo tudo ali para o largo. Era lá um alarido! Ai, Jesus! Digo assim:
- Também tenho que ir. Mas vou sem vontade!
Pronto. Lá fôramos nos jipes. Foram buscar os das quintas, dessas terras aí para baixo, e lá fôramos para a estalagem do Piódão. Vieram-nos buscar quase à noite. A gente ainda não tinha jantado. Chegáramos lá, logo apareceram com tabuleiros de sandes para as pessoas comerem. Daí a pouco, apareceu o presidente da Câmara e mais uma malta lá de Arganil. Eles ainda vinham com mais fome do que nós levávamos. Chegaram, começaram logo a tirar sandes e a comer. Ao fim, o Presidente da Câmara disse:
- “Vocês, comam, que depois no final quero dizer umas palavras.”
- Está bem...
Quando ele disse, já lá vinha o autocarro para nos levar. Outros iam nos jipes da Polícia. Andavam aí com as ambulâncias a fazer barulho.