“Era assim que a gente vivia”

A casa onde nasci era só de pedra. Não era como agora, confortáveis. Arrancavam as pedras numa pedreira e os pedreiros faziam a casa. Depois arrancavam lajes e punham por cima: era o telhado. Não havia telhas. Lá dentro, faziam uns quartos, umas divisões também com pedra. Tinha três quartos: um para o meu pai e para a minha mãe, outro para os rapazes e outro para mim e para a minha irmã. Os rapazes dormiam uns com os outros e eu dormia com a minha irmã. Andávamos por lá, por um lado e por o outro. Também tinham, chamava-se, um bacio. A gente fazia ali quando era de noute e de manhã ia-se despejar e pronto. Para tomar banho, era numa bacia, num alguidar. Primeiro não havia alguidares de plástico, era em gamelas de pau. Ai banho! Punha-se ali a água e a gente lavava-se. Não é como agora que têm todos os confortos. E era assim que a gente vivia.

Havia lugar para os animais, porque nas fazendas havia, chamava a gente, um curral. E o gado metia-se ali. De manhã iam-se soltar, iam para o campo, e à noute tornavam a vir lá para o curral para dormir. Uns ficavam perto, outros ficavam longe. Era conforme. Ainda era longe as terras! Tratávamos uma fazenda que o meu pai comprou lá na serra que chamam à Deguimbra. Era lá mesmo em cima. E a gente tínhamos que ir para lá todos os dias. De manhã, soltávamos os animais, semeava-se e andava-se lá a regar o milho. E à noite regressávamos a casa. Mas também tínhamos uma casa lá na fazenda, na quinta. Quando às vezes, no Verão, dormíamos lá no feno, na palha! E tínhamos e em mais lados. A gente dormia lá. O gado estava por baixo, no curral, e nós dormíamos por cima. E dormíamos bem. Então não dormíamos? A gente éramos novos, andávamos de dia cansados com o trabalho, o que queríamos era dormir. Eu, às vezes, já tenho dito:

- Ora, não me dar assim um sono como quando eu era nova, que queria dormir e não me deixavam, que me chamavam cedo para ir trabalhar.