Todos começáramos a trabalhar na agricultura com 6, 7 anos. Naquela época da minha infância e doutras mais, eram famílias numerosas. Quase tudo tinha cinco, seis filhos e, às vezes, até sete. Então, passou-se assim: de pequenos tínhamos que começar a trabalhar para ajudar. Cultivava-se muita terra e só uma pessoa ou duas não amanhavam tudo. A gente tinha que roçar mato nestas lombas, nestas encostas, nestes altos, e pô-lo às costas. O caminho era muito ruim, mas não trazíamos nada de carregos à cabeça, era tudo às costas. E eu, mesmo antes de ir para a escola, comecei a ir ao mato, roçava, ia buscar um molho, ugava, atava numa corda e punha-o às costas. Depois era cultivar a terra. Começávamos logo todos pequenos a sachar milho e a empalhar. Na aldeia, as terras são muito trabalhosas, porque não entra um tractor nem nada. Era só os homens a cavar com uma enxada e as mulheres a semear o milho, a batata, o feijão e o que fora por trás. Mas ainda antes, como a minha mãe tinha que ir trabalhar na fazenda e o meu pai saía, era eu que ficava com os meus irmãos. Quando a minha mãe regressava a casa para fazer o almoço e tratar das coisas, estava eu a tomar conta dos mais novos, que tinham já nascido. Tínhamos pouca diferença uns dos outros, mas eu é que estava a guardá-los. E assim a gente foi indo sempre. Só comíamos daquilo que cultivávamos, porque não se ganhava dinheiro nestas pequenas aldeias. Embora a gente não tivesse muito, fome não passáramos. Mas houve gente que, naquele tempo, passou fome, porque não havia meios. Em Chãs d'Égua não havia onde empregar ninguém. Nós íamos ganhando alguma coisa, mas não era o suficiente.
Mas antes, tinha aí os meus 4, 5 anos, ainda não andava na escola, e o meu pai tinha uma taberna. Era uma tabernita somenos mas, pronto, era o que havia na aldeia. Então, estava a guardar os meus irmãos mais novos e ainda ia à taberna aviar as pessoas que apareciam. Também tínhamos mercearia, mas não vinha embalada. Era avulso e a gente é que tinha que pesar e medir. Lembro-me que a minha mãe não sabia ler, mas pesava e fazia contas de cabeça quase ou mais depressa que qualquer pessoa. Cerveja, naquele tempo, não bebiam. Nem sabiam o que era, porque era cara e não se vendia. Mas bebiam vinho e bagaço. E, às vezes, quando era no Inverno, os que estavam na aldeia reuniam-se ali de noite e jogavam às cartas.
Foi quando começaram a ir os mineiros para as Minas da Panasqueira, na Beira Baixa. Eram minas de volfrâmio. Agora não sei dizer bem, mas acho que era uma empresa que fornecia o minério e depois mandavam aquilo para a Inglaterra. Não eram só de Chãs d'Égua que iam para as Minas. Desta ribeira toda por aí abaixo, chegaram lá a andar uns 30 e tal homens. Recordo-me que, naquele tempo, vinham da Mina todos juntos. De noite, eram duas, três horas da manhã, quando assomavam lá acima naquele cabeço a tocar e cantar! Davam volta à rua, mas batiam na porta ao meu pai. Então, tínhamos que nos levantar e ir abrir a porta. O meu pai dizia assim:
- “Ai, olha, Arminda! Levanta-te, já vêm os mineiros a chegar!”
Eles passavam a tocar e a cantar. Todos traziam um gasómetro na mão e, quando entravam, penduravam-nos nuns barrotes de madeira com uns pregos que a gente tinha. Bebiam qualquer coisa e depois diziam:
- “Arminda, não feches a porta!
Iam dar uma volta à rua, ao povo todo, para um lado e para o outro, a tocar e a cantar! Às vezes tanto frio e eu ali... Mas dava-lhes tempo. Eram muito divertidos uns com os outros e parecia que era tudo uma família. Eles até cantavam cantigas perigosas! Quando entravam à boca da Mina, lembravam-se logo que podiam lá morrer. E alguns ainda morreram. Às vezes, metiam-se escoras e desabavam aqueles lisos debaixo da terra. E outros ficaram sem pernas. Só que, como expliquei, não havia outro emprego. Mas os homens que andavam nas Minas dava-se tudo muito bem! Eu ainda era nova, mas parece que até a gente tem saudades daquele tempo, de me lembrar da alegria que eles faziam! Agora já assim não é.