Não nos davam tempo para brincar. Era por a semana que a gente brincava? Oh, oh! Está bem, está! O meu irmão mais velho contava que ainda estava a gente na escola e já estavam a chamar por nós ali em cima à capela:
- “Andai depressa!”
Tínhamos gado de cabras para tratar. Não eram muitas, mas tínhamos dois currais com gado. Tinha que se ceifar erva, ir ao mato, à lenha e acartar tudo. Depois, como já éramos mais, ajudávamos uns aos outros e os mais novos já viveram mais a infância. Mas eu só brincava quando andava na escola ao recreio e, às vezes, ao domingo e nem ao domingo. A gente ia à missa ao Piódão e ficávamos lá para a doutrina, para a catequese. Ia a pé, pois naquele tempo não havia carros. Aí em 40 minutos punha-me no Piódão. E depois, quando saíamos, comíamos lá uma merendita no caminho. Então, às vezes, brincávamos era pelo caminho. Às vezes, era a fazer uma roda e a jogar ao lenço. Dava-se um nó num lenço e depois andava-se em volta. Então, tínhamos uma moda a fazer ao lenço:
- “Aqui vai o lenço! Aqui fica o lenço!”
E depois, quando elas menos pensavam, a gente deixava cair o lenço. Se a gente desse a volta e ela ainda lá não tivesse apanhado o lenço, ia para o meio. Havia também o jogo do anelzinho e muitos jogos. Mas não podíamos demorar muito, porque senão já estava tudo mal. Sabiam à hora que a gente saía. Ainda assim, às vezes, aos domingos, aquelas da minha idade que já tinham outras irmãs ou irmãos mais velhos iam para a eira brincar. E eu, quando via as outras raparigas a reinar e a brincar umas com as outras, ainda me apetecia ir ao pé delas. Mas não ia. Tinha que estar ao balcão na loja, porque o meu pai saía ao domingo e a minha mãe, para tratar dos animais e fazer comer para tanta gente, tinha a vida dela. E eu estava lá, tinha que ser. Já não me importava, já estava habituada àquilo e assim se foi passando. E como foi a minha mocidade era a de muitos, era a de quase todos. Tempo para brincar havia pouco. E as nossas bonecas eram o podão e a corda para ir ao mato por as lombas acima! Alguém tinha um brinquedo como agora? Hoje, quando nascem, já têm brinquedos. Ainda bem que a vida se transformou de outra maneira.