Fui a Pomares. Estava lá um alfaiate, procurei-o. Disse-me:
- “Olha, eu estou até em deixar esta vida, porque estou a tomar conta de uma resina aí por minha conta e, para estar aqui, não posso trocar a resina.”
E a resina, naquele tempo, dava dinheiro. Então avancei. Fui a Vila Cova, vi um alfaiate logo à entrada, à direita. Numas casinhas baixas que ali há para cima. Ele tomava conta de mim, mas não tinha onde me deitar. Só tinha a casinha dele, que era pequena. Já tinha um miúdo, tinha duas camas em casa e não tinha mais espaço para fazer a cama para mim. Avancei. Passei no Barril de Alva. No Barril havia lá um sujeito, que também era alfaiate, no tempo que andou na tropa, era conhecido do meu pai. O meu pai dirigiu-se àquele a ver se trabalhava. E ele disse:
- “Olha Manel, já não trabalho. Mas, olha, vai aqui a Coja que lá há uns três ou quatro alfaiates. Pode ser que arranje lá.”
Fôramos a Coja. Todos se queixavam que não tinham quarto onde me fazer a cama. Volta para trás. Viemos direitos a Avô. O alfaiate que lá estava virou-se para o meu pai e disse:
- “O senhor, então, tinha vontade que o seu filho fosse alfaiate?”
- “Sim, ele quer e eu ajudo naquilo que puder.”
- “Olhe, então mande-o para Coimbra. Comprem uns livrinhos e mande-o para Coimbra estudar, que ele sai mais depressa doutor do que sai de alfaiate!”
Eu fiquei triste com aquela história. Abalei, fui à Aldeia das Dez que é ao pé do Santuário da Senhora das Preces. Cheguei lá. Eu, para onde ia, queria sempre que me dessem de comer e cama. Quer dizer, saía da casa dos meus pais mas encostava-me a outros pais. A uma mulher que tomasse conta de mim, que me desse de comer, tivesse roupinha lavada e tudo isso. E ele estava pronto a aceitar-me, mas a mulher começou a dizer que não, que não, que não.
- “Nós, se o almoço não estiver pronto ao meio-dia, está à uma. E, com pessoas de fora, já não pode ser, tem de haver pontualidade.”
E eu disse:
- Ó minha senhora, olhe que eu também não venho habituado a essas certezas. Em minha casa, a minha mãe trabalha no campo. Por isso, eu não estou com essas coisas à recta. Quando for bom para vocês também é para mim.
Depois não fiz nada. Vim para casa. Vínhamos no Torno, que a gente passava aí para vir para os Chãs d'Égua, vinha ali e não sei por que maneira dei com os olhos na serra, em cima. Lembrou-me daquele alfaiate que eu conheci quando andava nas Minas da Panasqueira. Via-o a andar com os casacos, para entregar aqui e acolá, ou os panos para levar para fazer, mas não sabia bem o nome dele. Sabia que ele era Saraiva, mas o resto não sabia mais nada. E lá fui, mas aí já não levei o meu pai comigo. O meu pai ficou e eu fui. Depois cheguei, procurei o alfaiate Saraiva que ia fazer os fatos para os empregados de escritório da Panasqueira e engenharia. Lá me ensinaram. Eram duas mulheres, dizem elas:
- “Então, deve ser o António Saraiva”.
E eu, então, por António Saraiva fui lá. Tanto ele como ela abriram-me à vontade, para tomarem conta de mim. E eu fiquei satisfeito. Dali a um bocado:
- “Vai comer qualquer coisa.”
-Não quero, não quero. Não quero comer. Só quero que me diga quando é que venho começar. Diz ele:
- “Olhe, venha quando quiser.”
Disse então:
- Perdido no meio da semana não adianta. Então, venho de ontem a oito dias.
E assim foi. Vim para casa, disse para a minha mãe:
- “Prepare-me a roupa que eu vou para Casegas e tenho que levar a roupa pelo menos para a primeira e para a segunda semana. Não sei se virei de oito dias, não sei. Vamos lá ver agora como é que é. Preciso de levar duas mudas de roupa.
Eu lá no trabalho não me sujava, mas levava uma segunda roupa de reserva. Para lá fui e lá estive. No domingo a seguir, ainda cá vim. E os meus pais:
- ”Então que tal?“
- Aquilo parece que se encaminha. Vamos a ver. Se continuar como foi esta semana, eu vou continuar.
Para lá fui. Estive então um ano. Aprendi de alfaiate a pegar na agulha. Eu nem sabia qual era o dedo que pertencia ao dedal. E já tinha 22 anos. Custou a domar mas, enfim, eu já estava corrido o mundo. Já andava farto de aturar o mundo. De maneira que fui aprender e levei a cruz ao calvário. Aprendi e, durante o tempo que frequentei a vida de alfaiate, nunca me faltou côdea. Nunca! A primeira coisa que aprendi foram uns pontos à mão, numas calças. Foi a primeira coisa que me deram. E eu ao pé de duas costureiras. Ficou bem cosido mas o tempo que levou é que não sei. E logo no mesmo dia espetou comigo na máquina. Ora eu nunca me tinha visto numa máquina. Nunca me passou pela ideia. Entretanto, o meu pai tinha uma casa para arranjar. E eu e um outro irmão meu é que dávamos serventia aos pedreiros. Estive na aldeia um mês e tal. Depois fui para Casegas. Estive lá outro mês, e depois vim-me embora. Foi então quando fui trabalhar para Lisboa. Eu já tinha um bocadinho de luzes para trabalhar sozinho.