“Quem me criou posso dizer que foi a minha avó”

O meu pai morreu ainda eu só tinha ano e meio, é que nem chegava a ter 20 meses. Antes de morrer, foi para o Brasil e estava lá. Acho que era nos matos, não sei como é que chamavam lá àquilo. Depois lá começaram a dar as febres e o meu pai começou a ver aquilo e veio para a cidade. Foi pedir trabalho à Santa Casa da Misericórdia, deram-lhe e ele esteve lá. Nem sei dizer o tempo que foi, mas foi poucos anos, porque eu já nem me lembro dele estar doente, nem ele morrer, nem nada. Não me lembro de nada, nada! Só me lembro o que uma vizinha minha dizia. Em baixo, na minha casa, estava ali uma data de mulheres a chorar. E, dantes, quando morria alguma pessoa em Chãs d'Égua, não deixavam lá ir as crianças ao pé das pessoas que morriam. Noutras terras não sei se assim é nem se não, mas cá era assim. E eu lembro-me daquela senhora dizer-me assim para mim:

- “Olha filhinha, já não tens pai!”

Isso é que a mim lembra sempre, sempre aquela coisa. Mais não me lembro, nem ver a minhas tias a chorar, nem me recordo de mais coisíssima nenhuma.

Sei que o meu pai veio de lá do Brasil e ele já vinha com aquela doença. Lá no Brasil queriam-no operar à garganta. Mas ele dizia sempre:

- “Não morro, não morro! Até vou para o pé da minha família! Vou morrer ao pé da minha família.”

E depois veio, não sei bem em que altura, mas ainda devia estar perto de um ano na aldeia. Depois morreu. Ai Jesus...

Vivi com a minha mãe sozinha mais a minha avó. Quem me criou posso dizer que foi a minha avó, porque a minha mãe, coitadinha, andava no campo a fazer o trabalho. A minha avó queimava muita lenha, porque a gente não tinha outros aquecimentos. Era só na cozinha. Fazia fogo, mas não tínhamos outros aquecimentos. O meu pai, coitadinho, faleceu, e nós não fazíamos nada. Era a minha mãe que tinha que fazer.

Eu tinha a minha irmã, tinha mais 4 anos que eu. Já faleceu. E até tinha um irmão, éramos os gémeos. Mas ele morreu, ainda era pequenino, tinha só meio ano. Por isso, o meu pai não havia que estar muito tempo no Brasil por a razão do seguinte: quando ele foi para o Brasil, o meu irmão já tinha morrido. Por isso, não esteve lá muito tempo. E não me lembro de mais antes. Se fosse mais crescida havia de me lembrar.