Posso dizer que o meu pai não me criou, mas eu nunca passei fome. Como a minha mãe não estava em casa, era a gente para a minha avó:
- Ó avó, eu tenho fome!
- “Olha, parte uma broa e queijo!” – dizia ela.
Queijo tivéramos sempre. Era a minha avó que fazia. Quando a minha avó ao fim morreu, era a minha mãe que o fazia. Quando a minha mãe faleceu, já era eu.
Para fazer o queijo, lavava-se uma panela bem lavadinha e depois púnhamos uma coisa a segurar na boca da panela. Botávamos um paninho debaixo e a gente coava o leite por aquilo para não irem impurezas nenhumas, nem cabelos, nem nada. Depois punha a coalhar na panela. Tínhamos, então, um coalho numa tigelinha qualquer. Era aquelas coisas pequeninas dos cabritos ou dos borregos, que era quando a gente os matava e eles ainda não comiam. Aquelas coisas que tinham por dentro os cabritos. Fazia-se de contas que era o estômago dos cabritos. Agora já há uns frasquinhos com que a gente coalha o leite, mas dantes era com aquilo. Como não tinha comer, era só leite, a gente tirava, partia aquilo aos bocadinhos, punha numa tigelinha e depois botava-lhe água. No fim esmagava assim bem esmagadinho e botava um pano para baixo. A gente mexia bem mexido com uma colher e, à noite, coalhava-se logo. Depois de estar a coalhada rija - a gente vê que o leite já está coalhado - punham o acincho. Ainda tenho ali um, mas foi só para não atirar com ele, que a maior parte deles deitei-os fora. É assim uma coisa redonda que tem uns buraquinhos em volta e saía por ali o soro. A gente tirava da panela a coalhada com a concha, punha para dentro do acincho, calcava muito bem calcadinho com as mãos e aquilo, ao fim, deitava o soro fora. E as mais das vezes como é que faziam àquele soro? Ferviam-no, punham-lhe um bocadinho de farinha, ficava aquilo, parecia que era tudo só borregos! Ai, era tão bom! Ainda me lembro tanta vez. E não éramos só nós, era muita gente, a povoação toda. Ao fim, para o queijo, tínhamos que pôr o sal. Faz de contas: fazia-o hoje, punha-lhe sal. Amanhã virava o queijo que estava no prato com o de baixo para cima e punha-lhe o sal na outra parte, porque ainda só tinha sal numa. Mas não púnhamos assim muito sal.
Quando se comiam frescos, tirava-se-lhe o acincho, cortava-se daqueles bocados e punha-se no meio da broa - que a gente era broa, não era pão - com uma fatiinha por baixo e outra fatiinha por cima. Quando se não comiam frescos, comiam mais duros, a gente tinha que os lavar e tinham-se que pôr a secar numas tabuinhas com umas fitas por baixo. O tempo é que mandava. Se o tempo ia bom como agora, secava-se depressa. Às vezes, em oito dias secavam-se. Mas, se o tempo ia a chover, a gente tinha que os lavar mais de amiúde, porque começavam a tomar assim uma coisinha por fora e não se secavam. Depois duravam até anos. Dizia a gente que os queijos chegavam sempre do velho ao novo. Chegava sempre de um ano ao outro, até Agosto.
Depois a gente punha o chibo às cabras e elas cobriam. O chibo é um animal já grande, aí de meio ano ou assim, que cobre as cabras. Se for um animal pequeno, que ainda tenha pouca idade, as cabras não pegam. Quando pariam os cabrititos, já havia leite para fazer mais queijo. Mas era depois de estarem com aqueles cabritos. Agora, já mais tarde, já depois que a minha filha mais nova foi para Lisboa, havia pessoas que os comiam. Mas, naquela altura, ninguém os comia, digo já! Depois é que já os comíamos, mas quase nunca vendêramos um cabrito. Era assim: quatro eram para os filhos, era para cada um o seu, e dois ou três ou quatro ficavam na arca (porque já cá havia luz) e a gente fazia dali o comer quando os filhos cá vinham.