Podia ser que me contasse histórias quando era pequena, só que já não me lembro. Mas nós os miúdos, quando era à noite, às vezes íamos brincar atrás da capela e diziam assim:
- “Olha, cá o Oliveirão está enterrado atrás da capela!”
Às vezes, os mais velhos corriam à frente e os pequenitos ficavam para trás. Então, diziam:
- “Olha, vem aí o Oliveira Matos!”
E eles, coitadinhos, todos a fugir! Bem, mas a gente ouvia dizer aquela lenda, mas nunca soubéramos assim nada. Diziam que tinham lá enterrado o Oliveira Matos, mas não se via onde. Naquela altura, a nossa capela era mais pequena, porque ainda foi feita primeiro que a igreja do Piódão, já há 600 anos. Havia cá pouca gente também. Depois, quando fizeram a nova capela, tiveram que dar o desaterro. Tiraram o desaterro e o que é que aconteceu à capela? O padre nomeou uma comissão para organizar, para tomar conta das obras. Já se sabe, porque o padre não vinha cá todos os dias. Organizaram aquela comissão e o meu marido é que ficou à frente daquilo, porque os outros andavam na Panasqueira e noutros lados e não podiam. Então, o meu marido tinha que lá ir todos os dias tirar apontamento às pessoas que lá andavam. As pessoas que ajudaram foi tudo de graça, ninguém levou dinheiro, mas andavam lá os pedreiros e a esses tinha-se que lhe pagar, que não eram de cá. Tinham que ver quantos dias de trabalho é que eles tinham.
Quando andavam a cavar na capela, os miúdos da escola pegavam nas ferramentas e botavam-se a cavar também. Quando um miúdo da escola foi juntar-se além a cavar, veio a cana de uma perna! De uma perna ou de um braço. Quem encontrou aquilo fui um rapazito da Foz d'Égua. Estava a cavar com uma sachola e enterrou-se o peto da sachola por a cana para dentro. E assim é que é que a gente chegou a saber que foi verdade, que lá enterrarem o Oliveirão.
Era um homem mau, de maus instintos. Matava as pessoas e tudo. Era muito ruim! Era como que é um ladrão. Ia a casa das pessoas, às arcas que tinham, e roubavam-lhes o milho. E às raparigas tirava-lhe os anéis todos que elas traziam. Era a mesma coisa como agora os terroristas. Naquela altura foi um barbarismo, Jesus, Nossa Senhora! Um dia ele veio com a guarda e mataram-no em Chãs d’Égua.
Aos ossos do Oliveira o que é que fizeram? Como o meu marido estava à frente das coisas, os rapazitos vieram chamá-lo. Ele foi logo ao telefone e falou com o padre, porque não podia estar a tirar os ossos sem saber como é que era. O padre disse-lhe:
- “Juntem tudo que encontrarem para um saco! Juntem esses ossos todos. Isto tem de vir tudo para o cemitério!”
Juntaram tudo o que encontraram. Ao fim meteram lá num saco. Também encontraram lá uma coisa grande redonda, um arquinho todo enferrujado. Eu nem sequer cheguei a ver, mas viram logo que aquilo não tinha préstimo nenhum.
No dia de um funeral, o meu marido foi lá com um saco dos ossos (que tinha escondidos numa cestinha, no púlpito da capela, para não se verem, senão já não ia ninguém à capela). Então, meteu doutro saco e lá levou. Naquela altura, ainda nem havia sacos de plástico, era só sacos de papéis. Chegou onde não sei que foi, disse lá para uma rapariga:
- “Toma, leva-me lá este saco! Agora tenho de pegar na urna, leva-me lá esse saco.”
A rapariga levou, mas nunca ninguém sabia que ia lá os ossos do Oliveira. Não sei também dizer se o meu marido os deixou lá ficar à porta do cemitério, se o meu marido levou lá para o Piódão. Depois, quando acabaram de fazer aquele funeral, o padre disse para o coveiro:
- “Faz aí uma cova aí em cima!”
Era lá num sítio determinado que só enterram aquelas pessoas que se matam. Mas o coveiro dizia que não fazia!
- “Ai isso é que tu fazes!” - era o padre.
Diz ele que fazia, mas que queria saber quem é que lhe pagava. Foi então quando se soube que ia lá os ossos do Oliveira. Depois fez a cova e lá o enterrou.
Mais tarde, veio um ofício para o meu marido para ir a Arganil. Havia cá um homem que chamavam o regedor. E esse é que andava por as portas quando era preciso alguma coisa. Então, ele veio à nossa parte com dois cabos incomodar o meu marido para aparecer, não sei se era um dia ou dois depois, no tribunal em Arganil. O meu marido perguntou que sentido é que era, mas diziam que não sabiam. Não quiseram dizer para o que é que era. Depois o meu marido teve que ir lá a Arganil, mas foi lá o padre com ele. O padre disse:
- “Deixe, eu vou lá consigo.”
O padre já tinha carro naquela altura, mas a estrada não vinha ter ao Piódão ainda. Lá em cima ao pé da serra, no alto, é que a estrada ficava. Para baixo ainda não vinha. Então, ele falou para o meu marido para ir ter ali a um outro sítio, onde estava a estrada. O meu marido foi lá ter e foram os dois no carro. Chegaram, lá o Presidente da Câmara, ou o Vice-Presidente, procurou dos ossos e de dois objectos lá encontraram. Diziam que encontraram em Chãs d’Égua uns objectos de bastante valor e que ficaram com eles. O meu marido disse:
- “Olhe, os objectos que lá encontraram estão aqui: esta chave, uma chave velha, e este coiso... Podem ficar com eles que a gente não precisa deles para nada. Tem que isto não vale nada!”
Ao fim, já nem sei dizer se eles lá ficaram com eles, se eles os trouxeram. Mas o meu marido foi ali apertado, mas apertado:
- “Vocês encontraram lá mais coisas!”
- “Não, a gente não encontrou mais nada!”
- “Ai isso é que encontraram!”
E sem lá terem encontrado mais nada. E aqueles do Piódão é que telefonaram para Arganil para modo de lá chamarem estes de Chãs d'Égua. Fizeram queixa, porque havia lá um senhor - era filho do tal barbeiro e também dava medicamentos - que diziam que era da família do Oliveira. Já se sabe: lá é freguesia, aqui são povoações e depois a freguesia manda sempre mais que as povoações. É assim estas coisas.