Eu nunca fui à escola. Então, não me mandavam ir. Primeiro não era obrigatório e eu não fui. Mas os meus irmãos todos foram à escola. Quando chegavam a casa, tinham que fazer os deveres. Contavam que, às vezes, lhes batiam. Quando eles as mereciam, o professor arreava-lhes. Até lhes punham umas orelhas de burro. Faziam em papel umas orelhas e punham-lhes na cabeça para os castigar. Era para dizerem que eram burros! Outras vezes, punham-nos de joelhos numa janela para as pessoas da rua verem que eles estavam de castigo. Antigamente era assim. Mas eu punha-me a olhar e tinha pena de eles saberem e eu não saber. Tinha muita pena de os meus irmãos irem à escola, de saberem ler e escrever e de eu não ser assim. Eles liam jornais, liam livros e eu olhava e não lia nada. Ficava triste.
Mas depois aprendi. Agarrei-me de vontade e aprendi a ler. Na Benfeita, havia assim rapazes jovens, mais ou menos da minha idade, que andavam na Universidade. Então, mandavam-me jornais de Coimbra, dum lado e doutro e faziam-me cópias. Eu pegava nos cadernos e nos livros deles e começava a ajuntar as letras. Assim aprendia lá da minha ideia. Comecei a ler sozinha! É que eu depois andava ao dia fora - quando andava a trabalhar para as outras pessoas - e à noute, no fim de estar tudo sossegado, sentava-me numa cadeira e estava lá a ler lá para ajuntar as letras. Com aquela curiosidade, começava ali a ajuntar e a soletrar as letras. Muitas das vezes, a minha mãe vinha dar comigo e eu com a cabeça deitada em cima da mesa a dormir. Ficava com o sono e dormia. Mas ficava lá para aprender. Tinha pena de não saber e aquela vontade de aprender.
Hoje leio. Faço o meu nome e leio. Foi a coisa melhor que eu fiz na minha vida. Foi aproveitar aquele tempo, que gostava muito de ler, de saber as coisas. Mas eu a escrever nunca me aperfeiçoei. Não era da minha tendência. Era só para ler. Mas consegui e hoje leio uma carta.