Antigamente também não tínhamos luz. Usavam-se umas lanternas. Era uma coisa assim quadradinha. Tinha uma porta, abria-se e tinha lá dentro um candeeirito, uma coisinha que a gente chamava uma lamparina. Botávamos-lhe para lá o azeite e púnhamos-lhe uma torcida numa coisa de trapo. Tinha de ser uma fita branquinha. Se fosse a fita assim mais suja, já não dava. Ao fim acendia-se. Botávamos um prego num barrote, pendurava-se lá em cima. Então, a gente via assim com aquele luzinho. Dava luz, mas era poucochinha, era muito pequenina.
Naquela altura, a gente ia todos os domingos à missa ao Piódão. Mesmo a chover. Levávamos até umas “capuchas”. Eu tenho ali em baixo uma. Eram umas coisas com um capelo, que a gente põe na cabeça, e tem assim por baixo uma roda e a gente embrulha-se naquilo. Hoje até tenho uma no Museu do Piódão. Veio cá o senhor Carlos e tirou tudo. Se ele ia para a loja, queria uma coisa, se ele ia para outro lado, queria outra. Ai Jesus, Nossa Senhora!
Também tínhamos um funil que a gente chamava o funil de pôr o vinho para os pipos. Dantes era um funil de cabaça. Semeava a gente aquelas pevides, punha-lhe um pau e, ao fim, criava-se aquilo como as abóboras. As cabaças tinham assim um cano comprido. Abriam-lhe um bocado em cima e aquele cano fazia o feitio de um funil. Tínhamo-lo lá na loja. O senhor não parou enquanto a gente não lhe deu para levar e nós agora já não o temos. Também tínhamos um de folha com crivo e tudo, porque é para não cair nada da sujidade dos cachos para dentro do vinho. Mas, naquela altura, às vezes ia para lá sujidade, ia tudo. Ao fim, ficava lá aquilo sempre no fundo do pipo. E houve mais coisas que a gente lhe deu. O senhor Carlos, aí vendo uma coisa que ele quisesse, não parava. Enquanto ele não levou tudo, não parava de sair de cá para fora. Eu já digo ao meu marido: agora vem cá e já não nos vê.
Pois, porque ele vinha cá e eu, às vezes, oferecia-lhe de comer. Nem sempre comia, mas ia sempre à loja beber. O que é a gente tem um hábito: muitas pessoas só querem beber o vinho tirado do pipo. E o senhor só queria tirar do pipo! Mesmo agora, vinha a minha casa o doutor e o empregado que estava a fazer as inscrições no posto médico. Como naquele dia - à terça-feira - o meu marido estava doente e a fazer diálise, era eu que lhes oferecia sempre de beber. Levava o vinho na garrafa e também uns bolitos para eles comerem. Mas eles queriam tirar o vinho do pipo. Então, o doutor começou a tirar o empregado do pipo e a dizer:
- “Ai és tu a tirar do pipo e eu não!? Eu também quero tirar do pipo!”
Depois dizia-me:
- “Senhora Gracinda, deixe estar, que quem tira do pipo sou eu!”
Pronto. Tiravam os dois o que queriam beber. Eu trazia-o na garrafa, mas eles não queriam:
- “Não vale a pena você estar a estragar o vinho! Há mais, a gente vem cá, bebe o que quer e depois o outro fica no pipo. É melhor que ficar na garrafa. Fica na garrafa, fica-se a estragar e no pipo não.”