No meu tempo, tínhamos as ovelhas, tínhamos as cabras, as vacas. Tivéramos a vitela ainda uns poucos de anos. Quando a minha mãe foi viva, ainda a ordenhava. Mas a minha mãe depois morreu. Como já tinha falecido, às vezes ia eu lá numa carreira tratar dela. Uma vez o meu marido disse-me:
- “Mas agora não vás lá.”
- Pois não, mas então está lá a vitela por ordenhar!? Não foste buscar a vitela? Então, o que é que tu queres!? Foste buscar a vitela e agora não se lhe há de deitar de comer? - perguntava eu.
Lá ia, num instante, ordenhá-la de manhã cedo e botar-lhe o comer. Depois, a minha filha já era mais crescida, já ia cortar um molho de erva para ela. Mas as vitelas são uma coisa muito grande, comiam muito. Era preciso ceifar-lhe um molho grande. Então, à tarde ou ao pé da noite, ainda ia num instante, a correr, ceifar-lhe outro molho. A minha filha já lhe deitava comer, só ordenhar é que não. Quando tínhamos muito que fazer e eu tinha mais trabalho na costura do que o meu marido tinha, dizia-lhe:
- Chega lá tu agora num instante ordenhar a vitela. É que tu tens menos trabalho, eu tenho aqui mais trabalho. Vai lá num instante ordenhar a vitela!
E ele ia lá num instante ordenhá-la. Ao fim a minha filha coalhava o leite, eu vinha fazer o queijo e o meu marido ficava sozinho a trabalhar. Primeiro ele ainda ia ao mato. Mas, desde que aprendeu arte de alfaiate, nunca mais foi buscar um molho de mato! Nunca, nunca. Mesmo que eu estivesse doente ou assim. Mas, se eu estivesse doente e as pessoas vizinhas vissem que eu estava doente, não me faltava lá mato à porta do curral! Iam logo todas buscar-me uns molhos de mato e vinha-me dizer:
- “Olhe, pus-lhe lá um molho de mato para as cabras!”
- “Pus-lhe lá um molho de mato para as ovelhas!”
Mas ao fim, quando elas mandavam fazer alguma coisa de costura, a gente também não lhe levava nada. Porque a vida custava a todos, não é verdade? Era assim. Nunca me lá faltava de mato. Mas eu é que tinha de ir ao mato e à lenha, tomava conta dos filhos e tinha de ir para o campo trabalhar. Arrancávamos-lhe a erva e púnhamos-lhe o estrume das cabras ou das ovelhas. Depois era cultivar as batatas, cultivar o milho, sachá-lo... A gente tinha muita vez 120 alqueires de milho! Chamamos o meio alqueire que era de 16 litros. Veja-se lá quanto não era!
Naquela altura havia muita gente quem ajudasse. Mas havia pouco dinheiro para pagarem. Como é que era aqueles tempos... Quem é que aí dava um tostão a ganhar a uma pessoa qualquer? Ninguém! Às vezes, quando ajudavam o meu tio alfaiate, ele não lhes pagava, mas fazia aquilo mais de graça àquelas pessoas que lá iam à oficina. Naquela altura, diziam que não tinham dinheiro para pagar. Só quando às vezes o tinham, é que podiam pagar. Era assim.
Só nós, quando a gente que se casou, é que começáramos a fazer a vida por nossa conta. O meu marido, além das terras que eu tinha, arranjou muitas terras e depois não podia lá andar. Então, quando era preciso, metia gente. Às vezes, estava lá na oficina e o meu marido não queria que me fosse embora, porque que eu tinha aquelas coisas de mão para fazer e ele nunca as fazia. Então, já chamávamos homens para semear, para cavar as batatas... Havia sempre muita gente, não era como agora. Se a gente vê que queria uma pessoa, apareciam duas ou três até. Até, às vezes, diziam assim:
- “Então, chamaste fulano e a mim não me vieste chamar?”
- “Olha, porque é que não chamaste a mim que eu ia lá ajudar?”
O meu marido levantava-se de manhã e só lá ia orientar o trabalho. Depois vinha para casa logo, enquanto eu ia buscar o mato. Eu levantava-me ainda muito cedo de manhã, ainda de noite, e os filhos ficavam ao pé dele na cama, que estavam quentinhos. Quando chegava, ainda lá estavam quentinhos, não choravam. Depois as pessoas iam-nos ajudar a fazer aquele trabalho e eu ia também. Mas tinha que lhes fazer o almoço depois! Tinha que lhes dar sempre de comer. Ao fim, quando nos mandavam fazer alguma coisa, umas calças ou um colete ou assim, a gente não levava nada. Via que eles tinham feito aquele trabalho, não lhes levava nada.
Depois do casamento, tive que me agarrar logo à costura. Mas eu não sabia costurar, digo já. Não estou cá para me gabar. O que é que eu sabia costurar? Mas foi a costurar sempre! Ai, tanto ponto que eu dei, Nossa Senhora, Senhor Jesus! Naquela altura era um negócio assim mais ou menos. Bem, sempre era melhor que andar a trabalhar no campo, não é verdade? A gente vivia assim e os meus filhos, graças a Deus, nunca passaram fome. Mas houve cá um ano, que chamavam o ano da miséria, que nem havia mercearia nem nada para comprar. Só havia uns dinheirões para criar os meus filhos.