A quase sempre havia catequese na aldeia. A gente ia aí em baixo, a casa de um tio meu, que era tio do meu marido, e ele ensinava-nos lá em casa, à noite. Era António Bento. Era o pai da Lurdes, aquela rapariga que mora logo ali mesmo à entrada, à parte de baixo da estrada. Não era padre, mas sabia. O pai dele era o avô do meu marido e não deixava ir os netos para fora sem fazer as orações. Ao fim, o filho também assim era. À noite juntavam-se lá os miúdos, mas depois “esgatevam-se” uns com os outros:
- “Porque aquele tem um assento melhor do que eu! Porque eu não tenho...”
Estávamos em casa dos outros e a gente ainda fazia aquele barulho. Coitadas das pessoas. Ele ainda tinha trabalho para nos ensinar e nós ainda “esgateávamos” uns com os outros em casa dos outros. Ele, às vezes, ainda dizia:
- “Oh, vocês não estão calados! Estejam calados! Olhe, que então ides mais para a rua!”
Outras vezes, quando a gente lá chegava, ele dizia assim:
- “Aquele que hoje começar a fazer barulho é o primeiro que vai para a rua! Não o deixo cá estar, vai para a rua!”
Mas ele não tinha coragem de os pôr na rua. Também tinha os filhos dele, era tudo.
Era por um livro que ele tinha do pai que nos ensinava. Pois, o pai tinha livros que tinha trazido lá de Lisboa. Acho que em Lisboa, onde o avô do meu marido estava, ninguém sabia ler. Então, ele é que fazia as cartas àquelas pessoas. E ao fim, quando ele veio para Chãs d'Égua, ele é que fazia muitas cartas a muitas pessoas. As mulheres não sabiam ler e, como ainda estaria o marido em Lisboa, iam lhe pedir para lhe fazerem uma carta para mandar. E quando vinha a carta - o correio não vinha para aqui, era para o Piódão e ao domingo é que traziam a correspondência - iam atrás daquela pessoa mandar ler.