E assim foi a gente criada. Aprendêramos com os meus pais e primeiro era uma vida difícil. Não é como agora. Não havia roupas nem calçado. Andava a gente descalça na neve e com a roupa toda esfarrapada. Era conforme se podia. Quem nos fazia a roupa era a minha mãe. Até fazia as calças para os meus irmãos. E, quando eles eram pequenos, fazia-lhe as calças e deixava-lhes uma rachadela de trás. Era engraçado. Eles, quando queriam fazer o que lá era preciso, aninhavam-se por baixo… Não era preciso andarem a baixar as calças, coitados. E andávamos descalços! Já era crescida, já uma mulher, quando me compraram umas tamancas. Nem sabia andar nelas. Eu já era uma mulher quando me compraram as primeiras cuecas! Andávamos com o rabo à mostra. Era assim. Agora é tudo muito bonito, têm tudo. Nasce um menino, nasce logo uns sapatos, nasce a roupa toda. Antigamente, não era nada. E hoje muitas pessoas dão roupa. A gente nunca teve ninguém que nos desse nada. Fazia-se um buraco e a minha mãe remendava. Punha ali um bocado, depois punha outro mais além. Às vezes a roupa era feita de bocados.
Por a festa, havia uma roupa assim mais tal. Era só uma vez ou duas por ano. Só nesses dias assim mais festivos é que a gente vestia a roupa melhor. Ainda me lembro uma vez. Até é uma vergonha estar a contar isto. Foi na Malhada Chã. Era miúda e o meu pai disse-me:
- “Olha, vai lá em baixo e vai deitar a ceia ao gado.”
Eu trazia uma saia de “sarrobeco”. A chover aquilo até arranhava as pernas. O que é que eu faço? Deitava-me na água, para me molhar toda, para chegar a casa a ver se me vestiam um vestido novo. Ora depois, quando eu cheguei a casa, ainda me vestiram outro mais velho!