Para conservar a comida havia uma queijeira. Uma queijeira é um armário que tinha uma rede, que era para não entrar para lá os mosquitos. Para a broa tínhamos uma arca. Púnhamos a broa dentro da arca. E o milho era acumulado ali também. A batata era metida num sobrado, lá num palheiro. As cebolas eram embaraçadas e penduravam-se. O feijão também estava numa arca. Era tudo assim. A carne era numa salgadeira. Não havia frigoríficos. Aquilo era cortado, o porco era desmanchado, o presunto ficava ao lado.
O presunto era para vender, para depois comprar o porco a seguir. O dinheiro daqueles presuntos era para comprar o porco. Nós comíamos era o resto. Eram as pás, a carne. Era um bocadinho de carne para a sopinha. Ajudava a adubar a sopa e era um bocadinho para cada um. Quanto ao peixe, era mais bacalhau, mas também não era assim uma abundância. Era o bacalhau e havia a sardinha salgada. Quando chegava ao consumidor vinha salgada. Ela vinha da Figueira da Foz, era lá salgada e depois era distribuída por aí fora, não havia gelo naquela altura. Vinha em caixotes de madeira. Vinham umas senhoras a pé. Há uma feira na Vide, que é uma vez por mês. E então vinham lá vender a sardinha. E uma vez por outra até aparecia aí uma mulherzita, de terra em terra, com aquilo às costas. Era um sacrifício, para ganhar um tostão.
Até ainda há outra, quando eu fui criado, havia um grupo de mulheres que andavam a comprar ovos por essas terras fora, Soito da Ruiva, Pomares, traziam tudo numa cesta. Chegavam a Chãs d'Égua, estavam dois dias, e iam vender os ovos para a Covilhã, à cabeça. Os ovos se elas se descuidassem, se dessem alguma topada com o pé, caíam ao chão, partiam os ovos. Elas tinham de ir com muito cuidadinho. Tinham de dormir no caminho para chegarem à Covilhã ao outro dia. Saíam de madrugada, dormiam no caminho, depois chegavam já tarde ao outro dia, e depois tinham de fazer o regresso com meia dúzia de tostõezitos que ganhavam naquilo, que não dava nada. Realmente, eram negócios. Era negócios para esquecer. Era assim a sobrevivência das pessoas. Outras vezes levavam frangos, franguitos pequenitos. Se morria um pelo caminho, lá se ia o lucro embora, o ganho. Era complicado.