Éramos miúdos, lá íamos ajudar na agricultura. Desde os 7 anos que eu comecei a trabalhar. Eu e os meus irmãos. Tinham um rebanho de gado e íamos para a serra guardar as cabras. A gente e mais pastores. Cada um tinha o seu rebanho. E, às vezes, a gente levava uma roçadoira e uma cordita e ainda lá roçava um coisito de mato e trazia-o às costas para deitar no curral das cabras. E à noute vínhamos. Cada um ia para o seu destino... Aí com 10 anos, era também trabalhar no campo a ajudar os meus pais, a fazer o que eu podia fazer. E no campo é que era o trabalho mais difícil. Primeiro tínhamos que tirar um “goirado” de terra e levá-la para o fundo. Cavava-se a terra e depois é que se semeava o milho ou o feijão.
A gente não tinha vagar de brincar, porque vínhamos de noute para casa e ao outro dia íamos de manhã para o campo, para trabalhar. Não tínhamos vagar de brincar muito. Eu nunca tive uma boneca para brincar. Então, a gente não tinha com que os fazer. A minha irmã parece que ainda fez assim uma boneca com trapos. E era com um trapo dentro de uma meia que jogavam na bola. De resto, nunca tive como agora têm tudo. A gente não tinha nada.
Mas tinha um irmão que sabia tocar. Era o meu irmão mais velho. Tocava guitarra. E à noute, às vezes, tocava lá um bocado. Eu, quando o ouvia tocar, lá estava eu ao pé dele para cantar. Cantava, gostava muito de cantar. Agora já não me lembram as cantigas, mas andava a gente sempre a cantar.
E brincávamos uns com os outros. Com as pedras fazíamos assim um curral. Púnhamos-lhe um telhado e a gente brincava assim com aquelas coisas. Era os nossos brinquedos.
Antigamente iam muitos pastores levar o seu rebanho. Agora é que não há nada, mas naquele tempo havia muitas crianças. Cada um guardava as suas, mas depois juntavam-se todas. Andavam assim à solta. Os outros pastores, que eram mais velhos, iam brincar lá uns com os outros e mandavam-me ir guardar as cabras, que elas iam para longe. Mas o gado fugia lá para um lado e para o outro e eu é que tinha que lá ir voltá-las para não irem para os milhos ou comerem o que era dos outros. E quando eu não ia partiam-me a cabeça. Às vezes, chegava a casa com a cabeça toda partida.
Uma vez, andava eu a guardar o gado. Foi na Malhada Chã. Se a gente foi para ali, ainda não tinha 7 anos, era mais pequena. Cheguei lá e andavam dois lobos a levar o gado para a serra. Na altura, havia muitos lobos. Andava o gado na serra e eles apareciam nos rebanhos. Faziam assim: um ia ali para além e outro vinha aqui para aquém. Depois iam a correr com elas para a serra. E chegando lá à serra, matavam-nas. Cortavam por baixo na goela, furavam-nas e elas morriam. Eu depois chamei-os. Disse-lhes que vinham lá os lobos:
- Não vão lá ver das cabras, não, que os lobos andam lá com elas.
Mas eles não se quiseram crer. Depois ainda mataram duas ou três. Eu era pequenina, fugi. Quando o lobo aparecia, corria-se com ele para onde se podia. Mas eu era “pequenelha”… Eu é que era a “moleca” e mandavam-me a mim guardá-las. Quando eu não ia, os outros pastores partiam-me a cabeça. Tenho aqui uma data de costuras que me fizeram eles a baterem-me.