Tínhamos os moinhos. Havia muitos moinhos, não sei dizer quantos mas havia muitos moinhos. E cada pessoa, em cada casa tinha peças. As peças são horas que as pessoas têm de moer. Por exemplo, um moinho podia servir para dez casas. E alguns moinhos, no Verão, tinham dificuldade em trabalhar porque não havia água. Era pouca água. E quando cortavam a água para regar já não moíam. Só moíam da estrada para cima. Da estrada para baixo, onde já havia terras, já não moía. Andavam de noite e de dia a moer, para haver farinha.
- “Ai ó primo, dispense-me aí um alqueire de farinha que depois quando eu moer dou-lhe.”
Havia compreensão. Por exemplo, coziam a broa. Quando se cozia a broa, no forno comunitário, chegavam a cozer três pessoas ao mesmo tempo. Um punha um dedo, se eram dois punham dois dedos e o outro não punha nenhum. Eram três pessoas. A de dois dedos sabia que era minha, aquela de um dedo era de outra, e a que não tinha nada era de outra pessoa. A gente entendia-se assim. Porque o forno era grande. E mesmo assim chegávamos a cozer à volta de doze broas de cada vez. Cada virada. Para o aquecer, cada um punha um molho de lenha. Para não ser só um a gastar a lenha. Era assim que se vivia. Havia uma coisa muito boa. Havia entreajuda entre todos. Se a gente precisava de uma ferramenta havia um que emprestava, hoje já não é assim. Hoje as pessoas estão totalmente diferentes. Naquela altura, as pessoas eram mais saudáveis, não havia intrigas entre ninguém. Eu tenho saudades por um lado mas por outro não. Tenho saudades disso das pessoas se darem bem. Mas não tenho saudades do passado.