Aos 7 anos a minha mãe levou-me para a Covilhã. Tinha uma irmã mais velha, mas já fazia mais falta no trabalho. Então, ela levou-me a mim. Daquela viagem tenho muitas lembranças. De outras pouco me lembra, mas aquela viagem ficou-me na recordação. Sei que levei a merenda à cabeça e a minha mãe ia vender ovos. Foi só aquela vez. Depois já não voltou. Talvez o meu pai já não estava cá e então foi vender lá uma cesta de coisas. Então passei numa serra, vi umas flores, que não havia cá. Aquelas eram tão lindas que eu disse:
- Vou apanhar as flores.
E ela disse:
- “Não, hoje não. Amanhã.”
Então, esse dia fomos dormir a um sítio que se chamava Orondinho. Lá comprou uma tigela de sopa para mim e para ela. Mas eu não gostei daquela sopa. Depois ela comprou-me uma tigela de leite, porque tinha uma cabrada ali e, então, comi leite. Ao outro dia levantámo-nos, acompanhámos com uma senhora que ia vender leite à Covilhã. Do Orondinho eram umas 4 léguas para a Covilhã. A gente chamava as léguas mas devia ser mais de 20 quilómetros. Lá também me lembro ir a uma casa onde vendemos um frango e ela deu-me um bocado muito grande de pão trigo com um bocado grande de queijo. Não sei como é que foi. Se foi a minha mãe que pediu à senhora, se não foi. Depois fomos a outra casa. Deu-nos sopa. Naquele tempo, não havia para comprar nada. Deu-nos uma tigela de sopa e disse que o feijão era passado porque o marido não podia comer as cascas. Ficou-me aquilo na recordação.
Ao outro dia viemos dormir ao Paúl. Também me comprou leite para comer com pão. Quando nos levantámos, estava a chover. Quando viemos lá passar naquele sítio das flores, estava tudo molhado. Já não me lembrei das flores, mas fiquei sempre a recordar aquelas flores tão lindas. Depois passei lá muitas vezes, porque aos 10 anos, começou a minha irmã com o negócio. Levava-me a mim para a ajudar. Depois, aos 17, ela casou. Fiquei eu com esse negócio dos ovos. Passei lá tantas vezes, mas nunca mais me lembraram as flores como foi daquele dia.