Saí de Chãs d'Égua aos 35 anos. Foi em 1964. Estive quatro anos em Coimbra, dois no Porto e dois em África. Foram oito anos. Embora eu tivesse já vontade de sair há muito tempo, perante a família não tinha ordem. Depois até que se convenceram e deixaram-me ir. Em Coimbra estava numa congregação religiosa. Depois fui para o Porto na mesma congregação. Foi quando fiz as batas lá. Depois fui para Moçambique. Fomos num avião. Sei que viaja a 10 mil metros de altitude. Depois fomos para Angola. De Angola fomos para a Beira. Na Beira, noutro mais pequeno, fomos noutro para Quelimane. De lá ainda fui no comboio mais lá para cima. Estive na Gilé, em Mocuba. Naquela altura já era cidade. Cheguei a ir a Nampula mas isso foi só de visita. Íamos mesmo pagas pelo Estado naquele tempo. Um tanto por cada uma. Era as Religiosas do Amor de Deus. Andar de avião para mim foi muito bom. Quer dizer, não tive medo. Eu por acaso gostei e para mim não foi assim difícil. Foi muito bem. Fiz muita coisa. Também trabalhei de costura. Ensinei as meninas, as mulheres que vinham para lá aprender a coser na máquina. Parece que era ao domingo que vinham para lá, para aquelas escolas. As capelas eram umas escolas. Nós íamos lá dar a catequese àquelas escolas. São boas recordações. Principalmente a amizade daquela gente para comigo. Isso é que é verdade. Foi muito bom. O africano a quem os tratar bem também trata bem. Ainda que tenho muitas recordações em casa que me lá deram. Muitas vezes, em Lisboa, eu andava sempre a ver se via alguém conhecido. Porque já naquele tempo elas sentiam desejo de virem para Lisboa. Lembra-me muitos nomes daquelas meninas. Tinha um internato de meninas e de meninos. O internato das meninas é que estava ao pé das irmãs e o internato dos meninos era ao pé dos missionários. Portanto, nós não familiarizámos nada assim com eles, mas as meninas sim. Ainda havia algumas coisas que não deviam ser feitas lá. Uma vez íamos para uma catequese e vimos um homem a bater com um chicote num preto. É mau. Ainda vi a dar estalos a meninas e assim. Há coisas que nos custava a ver. Mas para a mim, graças a Deus, nunca as tratei mal. Também me trataram sempre bem a mim.
A despedida foi uma coisa muito forte. Elas choravam muito e quiseram dar-me assim uma recordaçãozinha. Até me lembra do ajudante que vinha com a camioneta dizer assim:
- “Se a Josefa sabia, ela tinha dado uma galinha à irmã.”
Porque é a coisa melhor que eles podem oferecer, é um frango. Eles têm sempre aquela coisa de agradecimento. Ele estava com pena de ela não ter sabido para me dar alguma coisa. São boas recordações.