O meu marido também trabalhou nos pinheiros e na exploração da resina. Ia para a floresta. Primeiro, havia a floresta. Eram as plantações dos pinheiros quando o Estado começou a apanhar as serras. Iam lá recortar o mato e plantar os pinheiros. Também ainda lá andou, mas foi mais na resina e na agricultura. Depois foi para a França. Foi um malandro, que os passava para lá, que lá apareceu. Dizia para o meu marido e para o meu cunhado:
- “Eh pá, está agora bom na França! Vamos lá que eu levo-te e tal e arranjo-te emprego!”
Era o passador. Ele era da Malhada Chã. Vinha buscá-los e levava-os. Foi em 1964 que eles foram. Mas chegou lá, deixou-os, veio-se embora e eles lá ficaram. Eles que se desenrascassem. Quando iam no caminho, eles já lhes tinha dito:
- “Ai, já venho aqui há muitos anos e nunca cá vi a árvore das patacas.”
O que ele queria era o dinheiro para andar a carregá-los para a França ou para um lado qualquer. Chegavam lá, largavam-nos, vinham-se embora e eles ali ficavam de boca aberta.
Depois o meu marido foi andar a cortar árvores aonde foi um grande combate da Guerra de 1914. Aquilo que era só ossadas das pessoas que morreram e ali ficaram. Nem os enterraram nem nada. O meu cunhado ficava em casa. Depois, para ele ganhar também alguma coisa, dizia-lhe:
- “Ó Prata, vai agora lá tu andar dois dias.”
Foi ao meu marido que convidaram. Mas ele tinha pena dele e eles lá andaram dois meses e tal, perto de três, naquilo. A gente telefonava e escrevia-lhes. Mas depois não conheciam nada, não sabiam falar, andavam até que tinham de vir. Não lhes fizeram papéis, não lhes deram trabalho, vieram-se embora. Era preciso ter uma pessoa encarregue que lhe fizesse a papelada, não é? Porque hoje também não vão trabalhar assim sem mais nem menos.
Para lá iam de carro, mas para cá vieram de comboio. O meu até veio debaixo dos bancos do comboio, quando passavam nas fronteiras. Tiveram que pagar a viagem, mas vinham assim. Era por causa da polícia e porque eles não tinham papéis para vir. E, se a polícia, os revisores, essa coisa os apanhasse, prendia-os. Não podiam aparecer a eles. As pessoas que sabiam é que lhes diziam quando chegavam àqueles pontos:
- “Olha que agora aqui vocês têm que se esconder!”
- “Ponha-se agora!”
Lá se escondiam. Um cunhado meu era mais alto, mais forte. Ia para a casa de banho. O meu é mais baixo, escondia-se debaixo dos bancos, um dum lado, outros dos outros. Punham-lhes assim uns casacos, lá os tapavam e eles lá vinham. Por Deus, não foram apanhados. Mas, quando era para passarem na porta para os “revisarem”, eles tinham que fugir por outra porta e irem dar uma volta grande. Mais tarde é que apareciam, é que lá conseguiam entrar.
Chegaram ali às Luadas no dia 1 de Abril que era o Dia das Mentiras. Depois uma filha do meu cunhado, minha sobrinha, foi-me chamar:
- “Ó tia! Anda! Ande que o tio e o meu pai já vieram!”
Eu andava lá numa fazenda, longe. Disse:
- Oh, sorte!
Não foi uma alegria. Até foi uma tristeza. Eu gostava era que arranjassem trabalho e que a vida melhorasse. Mas ele ainda veio de lá naquele tempo com um dívida de 12 contos. Mas ganhava-se pouco. E depois para arranjar os 12 contos? Problemas. A gente a julgar que era melhor, que iam lá governar a vida e iam mas era desgraçá-la mais. Quando foram para lá, tivemos que pedir o dinheiro. Não sei se foram 8 contos que o passador levou a cada um. Andava a minha filha na escola, fiquei com 10 tostões e com aquela dívida em cima! E depois, para cá, também teve que o lá pedir. Depois, é claro, teve que se lhe dar. Pessoas amigas.
Eu toda a vida vivi numa miséria. Tinha que trabalhar para criar a filha. Amanhava as fazendas e tratava dos animais. Bem, ela já andava na escola. Então, às vezes, eu ia ao dia fora ganhar alguma coisa, quando aparecia. Mas não aparecia a quem precisasse, porque tudo fazia o seu. Oh, vida triste! Nem aparecia quem desse o dinheiro a ganhar.
Depois houve lá um homem que disse para o meu marido ir para Moçambique. E bem veio logo o 25 de Abril, teve que se vir embora. Foi só gastar dinheiro naquelas viagens para nada. Foi assim a vida, a nossa vida triste.