Depois fui para Lisboa. Estive lá dez anos. Não fui à tropa. Os gajos não me quiseram lá. Nem para a descasca da batata!
Havia muita gente daqui. Não era só eu. Tinha lá um primo meu empregado. Ele é que me puxou para lá. Era normal. A malta, pessoal daqui, que estava lá, é que puxava. Os antigos, uns iam puxando os outros. Lá os iam levando ou lhes arranjavam serviço. Tive que me adaptar, que remédio tive eu. A gente desenrascava-se.
Trabalhava na cortiça. Levava fardos para a praia, às costas e descalço. Fardos com 70 ou 80 quilos! Era a 2 tostões cada fardo, que a gente levava. Ganhávamos 2 tostões por cada fardo carregado da fábrica, às fragatas, à praia. Quanto mais a gente carregasse mais ganhava. Naquele tempo, a gente andava à demanda do que havia de carregar mais!
Vivia na Cova da Piedade com o meu primo, que me arranjou emprego. Vivi muito tempo com ele. Ao fim, a minha mulher foi para lá também. Esteve lá pouco tempo. Veio-se embora. Naquele tempo, na zona onde eu vivia era tudo quintas. Era só quintas. Figueiras, damasqueiros, amendoeiras, era tudo. Daí é que começaram a juntar. Por exemplo, a Piedade está junta com Almada já há uma porrada de anos. Primeiro, aquilo era separado. A Piedade era num lado e Almada ficava em cima. Ao fim, juntaram. Agora, está tudo ligado. É só prédios. Se lá for, já não sei por onde andava naquele tempo. Agora, já não dou com o caminho.
Ao fim, vim-me embora. Os meus pais estavam aí sozinhos. Começaram a andar um bocado desorientados com a morte do meu irmão e eu vim para cá. Já não voltei lá mais.