Uma vez, por causa de virmos de noite, mordeu-me um lacrau. Não havia caminhos, era os carreiros que nós vínhamos. E, então, eu era por uma levada que conduzia a água pelo Verão. A gente vinha por lá. Dos tais currais do Outeiro para casa. Mordeu-me um lacrau, eram umas dores, eu ia morrendo! Três lacraus que me morderam na vida! É uma coisa impressionante.
Um, era eu miudito, no Verão. Os gajos faziam uma casa, uma buraca de lacrau, mas eram muitas. Eu vi aquilo, comecei a escarafunchar com um pau a ver se o gajo saía. O gajo não saía e eu caio na asneira de meter o dedo. Olhe, deu-me um ferroada, ai Jesus!
De outra vez, íamos para um moinho moer. Havia os moinhos, mas cada noite moía um habitante. O moinho só moía de noite, porque de dia a água era para a rega. No Verão, no Ribeiro do Piódão, eles tapavam as águas para as regas e depois não havia. Deixavam-nas encaminhadas para dentro das fazendas. Chamávamos os açudes, para a água entrar dentro das propriedades. Havia muitos que eram conscientes. Outros não havia consciência, era só para eles. E nós íamos lá cortar, deitá-la abaixo nos açudes, porque havia muitos que não deitavam abaixo. E, então, eu ia para o moinho ao pôr-do-sol - lá está íamos descalços -, morde-me também um lacrau, qualquer deles. Um lacrau sai à noite para caçar alguma coisa para comer e eu calhei a pisá-lo. O gajo virou logo a ferreta. Foi umas dores terríveis.