Eu mais uns outros rapazes, quando chegámos ali a Março, diz ele:
- “Eh pá, vamos trabalhar aí à jorna!”
À jorna era ir lá para aqueles fazendeiros, que cultivavam as couves para vender em Lisboa e isto e aquilo. E, então, fomos trabalhar. Éramos quatro. Fomos primeiro para a Quinta de Santos Lima, que era ao pé do farol de Monte Agraço. Mas não havia trabalho nessa altura. De lá, tudo a pé, tornámos a voltar a perto de Alenquer. Depois voltámos outra vez. Dormimos uma noite no Carregado e atravessámos em Vila Franca para o outro lado de Samora Correia. Sempre à procura de trabalho. Não havia trabalho. Depois passámos por Benavente e Salvaterra de Magos. Já atravessámos numa canoazita, num barquito pequeno, que era um barqueiro que andava a fazer o transporte. Passávamos outra vez para a outra margem do Tejo, para a margem direita, que era onde estavam concentradas as tais herdades por onde tínhamos andado. E então onde é que fomos arranjar trabalho? No viveiro dos serviços florestais, na Azambuja. Depois ganhávamos 6 escudos. Ali andámos um tempo.
Depois houve lá um indivíduo que começou a dizer:
- “Eh pá, na Quinta dos Santos Lima pagam a 10 escudos por dia!”
E convenceram-me a ir para lá. Para lá vamos. Aquilo era a cavar vinha. Meu Deus, era mais de 200 pessoas a cavar! Depois havia aqueles, os desgraçados que calhavam no meio. Estavam perdidos. Juntavam-se lá em cima, num alto. Chegava a pontos que fazia um arco. Os das pontas foram fugindo. De maneira que os do meio cavavam, cavavam mas não saíam do sítio. Lá andámos uma semana. Chegámos ao fim da semana, diz lá o encarregado:
- “Agora, para a semana, homens a 8 escudos e mulheres a 6.”
Também andavam lá mulheres a cavar. Hoje vá-se lá mandar cavar uma mulher. Nem esses jovens... A vida nesse tempo, meu Deus! E eu disse:
- Então, eu venho de deixar de ganhar 6 escudos num trabalho tão bom - que era uma espécie de jardineiros, ali a tratar das plantas -, mas agora também para lá não volto...