Há uns 18 ou 19 anos, veio um incêndio grande ali do Gandufe para cá. E outro dali da Vide para cima também. Aquilo, “puf”, parecia o fim do mundo que aí andava! Evacuaram-nos para a Pousada, lá para o Piódão. E, da Pousada, já viam que a gente estava em perigo, ainda nos levaram para Côja. Em Côja eu, ao outro dia, pisguei-me por aí acima. A minha mulher é que ia lá para baixo e eu vinha para cima, já para apanhar um carro, para me vir embora. Queria vir salvar a minha casa.
Chegámos aqui, estava tudo tapado de fumo, parecia nevoeiro. Quando chegámos lá adiante ao outro lado, ela diz assim para mim:
- “Então, mas que é que a gente aqui veio fazer? A gente não andará maluco?”
- Não sei, sei lá. - disse eu.
Fomos ficar para aí. Então, não se ouvia nada, nem um passarinho nem nada. Só se ouvia o lume a estalar lá para o alto das serras.
- Oh, com um raio!
A gente lá viemos. Chegámos aqui, cozemos umas batatas com feijão e bacalhau. Essas batatas ainda andaram uns dois ou três dias. A gente nem nos apetecia comer. Depois começou a desaparecer o nevoeiro e o fumo. Do lado da Foz d'Égua, estava tudo negrinho! Eu até me ia dando o fanico. Até ia desmaiando ali. Digo para ela:
- Ó pá, queres ver como é que está aquilo daquele lado?
Diz ela:
- “Ai Nossa Senhora!”
E aqui esta parte “pia baixo” ainda estava tudo verde. O fogo ainda andava ali para o lado do Piódão. Estávamos aqui a começar a comer, venho lá para cima, começa uma língua de lume naquela serra por aí abaixo. Diz a minha mulher:
- “Eh pá, vamos fugir!”
Fugimos para a Foz d'Égua, porque lá já tinham ardido. Fomos para a casa do senhor Fontinha. De lá, começou o gajo aqui por este lado. Passou aqui, parecia o fim do mundo que aí andava! Depois, ao outro dia de manhã, eram seis horas, levantámo-nos. A senhora Maria lá deu conta da gente andar levantado, lá se levantou também. Lá nos queria dar café, mas eu não conseguia comer. Parece que tinha uma coisa atravessada na garganta. Lá viemos “pia cima”. Chegámos, andava o fogo mesmo aqui, já em baixo, ao fundo da casa. Tínhamos ali um palheiro cheio de lenha. Andava mesmo à porta do palheiro! Se ele pega lá, a casa desaparecia toda! Lá comecei com uma mangueira ali “pia baixo” e a minha mulher a chegar-me a água. O fumo era tanto de baixo para cima que eu não conseguia respirar. Entrementes, chegaram os bombeiros. Lá deram uma mangueirada de água, lá o atalhámos até à ribeira.
Quando foi aí essas dez horas, começou-se a acender uma fogueira em baixo. Ó, começou a levantar-se um remoinho de lume daquele lado “pia cima”! A minha mulher não ficou lá, porque não calhou. Quando cá chegou em cima, aquilo parecia um autêntico inferno que andava ali em baixo. Era lume dum lado e lume do outro. Nem os helicópteros estavam ver se ele ia apagar. Depois lá chegaram os bombeiros, lá lhes disse:
- Ó pá, vejam lá se me salvam ali o alambique ao menos.
Quando demos conta, já andava o lume por aí afora. Lá veio ela mais o meu vizinho a gritar aqui para casa. Venho para ali bravo com outra mangueira pelo lado dali para salvar a casa dos meus pais e as casas daquele lado de lá. Lá o consegui abafar “pia baixo”. O meu vizinho é que me ajudou aí essa noite. Deste lado já estava abafado, ficou cá o meu vizinho com a mangueira a fazer o rescaldo. Depois, à noite, diz:
- “Vá, ó Zé, vai-te deitar. Quem fica de noite a tomar conta do lume sou eu! E, se houver alguma coisa, eu falo-te.”
Deixei-lhe a porta da loja aberta. Depois, quando foi meia-noite, passou lá, diz ele:
- “Ó Zé, podes dormir descansado, que está tudo controlado!”
Pronto, às três da manhã tornou ele lá a passar. E assim foi. Mas vimo-nos aí a curar velha. Deus queira que nunca cá mais apareça outro igual, que isto foi pior para esquecer.