“Antigamente não se congelava, ia tudo para o sal”

O meu pai criava todo o ano dois porcos, que se matavam antes do Natal. Havia enchido e havia carne que dava quase para o ano inteiro. E era assim a nossa vida. O senhor que matava o porco era nosso vizinho. Ia um dia de manhã matar o porco. Matava-se e nesse dia preparava-se o porco. Pendurava-se, limpava-se, ficava ali a escorrer para o outro dia. Isso na altura em que se pendurava o porco no gancho. Nesse dia fazia-se as morcelas que são aquelas chouriças pretas. Quando ele estava pendurado, eu era miúda, mas para a minha mãe e para as pessoas que iam lá trabalhar, já havia o sangue do porco cozido com alho e azeite. Quando o porco estivesse pendurado, os que ajudaram a matar o porco, todos, comiam ali daquele sangue. Depois disso cada um ia à sua vida. Ao outro dia de manhã, estava lá o senhor que matou o porco, para desmanchar o porco, para se dividir as carnes.

Umas carnes eram para chouriças de carne, outras era, para farinheiras, outras eram para bufeiras, e os presuntos que eram para salgar. Parte da carne, antigamente não se congelava, ia tudo para o sal. Guardavam-se as mãos do porco e os pés. Guardavam-se e comiam-se no dia de Carnaval com grão guisado. Era a praxe. Dia de Carnaval tinha que se comer os pés e as mãos do porco. Guardavam-se no sal até a essa altura. Era a tradição.

As chouriças, deixavam-se estar três, quatro dias temperadas, punham-se no caniço até secar. Ao fim de secas, lavavam-se e punham-se em azeite. Antigamente não havia óleo. Era no azeite. Punham-se em talhas de barro e ficavam aí no azeite para dar para o ano inteiro. Os presuntos punham-se no sal, guardavam-se no sal. Estavam quanto tempo era necessário. Depois tiravam-se, levavam-se para o caniço a secar. Eram pintados com azeite e com colorau e punham-se no cimo da salgadeira sem apanhar sal para estar tenro. Era presunto que se ia comendo durante o ano em sandes, para pôr na comida e para essas coisas.