De sol a sol

Aos 12 anos, havia aí uns senhores que contratavam pessoas aqui na zona para ir trabalhar para o Ribatejo. Lá para umas quintas que eram dos grandes senhores de Condessa e assim. Então, íamos para lá nove meses. E fui.

Aos meus 12 anos fui para lá, para a Quinta das Virtudes. Era uma quinta que havia junto a Santa Margarida, pertencia à Lagoa Alva. Aquilo era trabalhar de “sol a sol”. O primeiro ano, antes de nascer o sol já tinha que ter um barril de água lá onde as pessoas iam trabalhar, para elas beberem logo de manhã e para fazerem o comer. Tínhamos que ir à água com um barril às costas.

Cheguei lá, qual foi o meu espanto, davam para a gente comer por mês, 30 quilos de farinha, 5 litros de feijão, 5 litros de azeite e mais nada, não havia mais nada. A farinha era para fazer papas, comíamos papas. O feijão para termos algum dinheirito, ainda o íamos vender. Só comíamos o azeite e as papas, sempre ali todo o mês. Aos domingos é que era rancho melhorado. Como era ali ao pé do Santa Margarida, do quartel da tropa, íamos lá. Pedíamos comer do deles e comíamos, era assim.

Andei ali nove meses e ao fim dos noves meses trouxe, pelo dinheiro antigo 900 escudos. Foi o que trouxe para os meus pais. Era uma ninharia para aquilo que se fazia. Eu trabalhava ainda mais. As pessoas que iam para lá o primeiro ano, tinham que acartar água às costas com o barril. Ao segundo ano já não.

No ano seguinte, fui para uma quinta ali ao pé do Carregado. Era a Quinta do Pinheiro. Nessa segunda quinta, a única coisa que tinha que fazer de extraordinário, antes de nascer o sol, era varrer lá o quartel onde a gente vivia. Já não ia à água. Ia arranjar lenha lá para eles fazerem o comer e a trabalhar com os outros as mesmas horas. Ali a cavar vinhas, a cortar mato, a fazer tudo. Ao fim dos nove meses aí já trouxe 1300 escudos, salvo o erro. Tinha 14 anos.

Voltei para outra quinta que era ali ao pé dos Cadafais, ao pé do Carregado. Era a Quinta da Granja. Aí já era melhor. Já não davam aquela farinha. Já a gente fazia o comer. Davam hortaliças, era melhor. Mas também se tinha que trabalhar de “sol a sol”, enfim. Andei lá os nove meses. Aí já se ganhava melhor. Trouxe uns 2000 e tal escudos para os meus pais. Já comprávamos pão, era outra maneira de vida.