Nós andávamos na escola. Eu era muito mazita para o meu irmão, meu querido irmão. Na altura, não tínhamos comida na escola. Levávamos o lanche de casa - o lanche que era o almoço - e comíamos lá. Íamos de manhã, entrávamos às nove e só saíamos às cinco ou às seis horas. Tínhamos escola de manhã e de tarde. Tínhamos que levar a comida. A minha mãe arranjava num cestinho ou numa bolsita - já não sei o que era - mas ele não queria levá-la e eu também não. Que é que ela fazia? Arranjava comida separada para mim e para ele, mas igual. O que mandava para mim, mandava para ele. Mas eu era mazinha! Pensava que o dele era melhor. Então, pelo caminho, trocava sem ele ver. Trocava-lhe aquilo! Era mesmo mazita. Hoje, lembro-me e digo assim:
- Ó meu Deus, porque é que eu era assim?
Eu hoje não sou assim. Quando estamos à mesa ou onde estivermos, eu posso ter muita vontade de uma coisa mas, se as pessoas que estiverem à minha beira estiverem satisfeitas e eu não tenha comido nada, fico satisfeita igual. Na altura, também não sabia o que fazia. Era criança, sei lá, não sabia. Achava sempre que o dele era melhor. E não era, era igual.
No Natal, a minha mãe comprava um brinquedo para mim e um brinquedo para ele. O dele, adequado a ele e o meu, adequado a mim. Durante a noite, não dormia. Levantava-me, vinha lá à cozinha, à chaminé, e trocava. Punha o brinquedo dele no meu sapato e o meu brinquedo no dele. Quando aquilo era diferente. A minha mãe sabia e depois ria-se. Eu já era bem crescida quando me apercebi que não era o Menino Jesus que dava, que era mesmo a minha mãe que trazia. Por isso, não me admira agora as crianças. Muitas delas já sabem que não é assim. Eu vivi isso até já ser bem crescida.