Havia aqui muito azeite. Também eram umas pândegas que a gente fazia muito grandes, assim umas festas no lagar. A noite em que a gente andava a moer, aquilo era bacalhau e depois os lagareiros punham muito daquele azeite ainda cru sem estar quase tempo nenhum na tarefa. Enchiam tudo de azeite e a gente a comer bacalhau com batatas e bastante azeite e a beber uns copos. Aquilo era uma maravilha, era uma alegria. Agora já não tenho azeitona, arderam.
Estes lagares já não trabalhavam, mas ainda fui à Bobadela, ali ao pé de Oliveira de Hospital. O lagar que agora trabalha aí assim é o da Bobadela e é o da Foz da Mourísia. Os outros já não trabalham, não têm condições. Até água vinha do barroco e tudo e não havia problemas. Era escaldada. Quanto mais as pessoas estão com exigências, mais doenças aparecem, mais porcaria aparece. Antigamente quando eu andava na Vinosul, a gente estava a almoçar, apetecia-lhe fumar uma cigarrada fumava. Agora no café não pode fumar que faz mal às pessoas. Vai fumar para a rua. Eu não sei o que é que estes gajos querem.
O azeite no lagar dava muito trabalho. Aquilo era por horas. Os homenzitos naquele tempo já tinham relógios certos e marcavam a hora. Este moinho entra por exemplo às três da manhã, o outro vai entrar às oito da manhã. Tinham que dar aquele tempo que era para se moer. Punham a azeitona ao pé da galga. A galga é uma pedra muito grande em roda que anda junto das rodas que é a que anda a pisar a azeitona toda. A galga punha aquelas rodas todas a trabalhar.
Os rapazes novos queriam andar com a vara. Um punha-se deste lado, outro punha-se daquele, andavam ali à volta com o pau para subir o peso, para ficar ali o peso em cima da vara para espremer o azeite. Era um peso muito grande. Os moços novos e mesmos aqueles lagareiros que eram assim de idade:
-“Vem cá fulano. Tu tens muita força é para levares...”
E depois a gente andava ali à volta, à volta, à volta. Levava o peso acima. Quando era para descer era a mesma coisa. Isso é que a gente tinha uma alegria de andar ali a fazer aquilo. Mas fazia-se aquilo voluntariamente. A gente passava ali das cabras ou vinha dar um recado e os velhotes:
-“Vem cá fulano. Tu tens muita força. Anda levar a vara acima ou a vara abaixo.”
Esmagava-se. Marcavam aquelas horas estava tudo esmagado. Depois a gente tinha que dar a massa, tirar a massa do pio para o encerador. Aquilo era um bocado longe. Às vezes o mestre e a pessoa que lá estava ligada ao lagar dizia:
-“Ó fulano, vem cá às tantas horas dar a massa.”
E a gente às tantas horas estava lá para dar a massa. Para acartar a massa para o encerador era tudo por base de braço. Tirava-se do pio, chamava-se o pio, andava-se com a galga para um lado, tirava-se de um lado em baldes e levava-se para o enceradouro. No enceradouro havia umas ceiras, metia-se lá com os baldes. Era muito trabalhoso. É como eu digo, naquela altura ninguém tinha barrigas. Por um copo de vinho toda a gente trabalhava bem.
E a gente andava depois era chamavam rescaldar o azeite. Tinham que tirar as ceiras todas. O peso arreava-se. A vara chegava lá no cimo. Aquilo era por roscas. Aquele pau que a gente andava um à volta e o outro à volta, tinha uma rosca por ali acima que ia rodando. Tanto subia como descia por intermédio de uma rosca. Depois descia, chegava o mestre mais o ajudante, mexiam a massa do bagaço e depois punham água quente. Chamavam isso aldear. Aldear o azeite. Era assente na tarefa. A tarefa é para onde cai o azeite. Também é de pedra. Deve ser pedra diferente da galga, porque a pedra é rota e aquela não pode ser rota porque tem que ficar lá com o azeite.
Ainda havia o odre para a gente levar para casa. Odre era feito de pele de cabra. Cosido e tudo. Havia pessoas que sabiam coser aquilo tão bem que não deitavam nada de azeite cá para fora. A gente enchia o odre, atava com um braço na boca e lá levava o outro às costas com o azeite. Se a gente caísse no caminho furava o odre. Tinha que ir com muito jeito porque aquilo era pele de cabra. Era difícil. Chegava lá, já havia pias. Tinha uma pia, metia numa pia. Há pias aí que as pessoas têm que as “briar”. Têm que lhe pôr uma massa que é para não deitar o azeite fora. Se não está sempre a gemer azeite cá para fora. Não pode ter furos. Eu tenho uma pia, até tenho lá azeite e ainda foi o meu falecido pai que a comprou. Podemo-la lavar com água. Aquelas que são “briadas”, nem se podem lavar com água quente. Aquela posso-a lavar. Posso tudo, não deita azeite nenhum, não deita nada.