Da minha terra, praticamente, quase ninguém emigrou para o estrangeiro. A força da migração de Soito da Ruiva era para Lisboa e Piedade. Lá é que estava a força dos homens que foram daqui. Na altura em que o meu pai foi trabalhar para a cortiça houve muita gente de Soito da Ruiva que também foi para lá. Trabalharam lá os meus tios e um cunhado meu. Quer dizer, a maior força dos homens que iam para Lisboa era para o peixe ou para a cortiça. Era mais ou menos o trabalho que o pessoal de intremeio tinha. A cortiça ficava para os lados da Piedade e o peixe era no lado de Lisboa. As pessoas iam para Lisboa para ganharem um dinheirinho e trazerem para cá, porque cá não havia. Nessa altura não se falava em reformas, nem nada. Se a gente não o fosse ganhar, não tinha. Estive 42 anos em Lisboa a trabalhar. Fui para lá com 14 anos. Morei sempre em Santa Apolónia. Ainda cheguei a morar na mesma casa com o meu pai e uns tios. Durante esses anos, a minha mulher ficou sozinha com os filhos. Mais tarde, levei os meus filhos para Lisboa. Na altura em que estive em Lisboa cheguei a andar aos meios anos sem cá vir, mesmo já no fim de estar casado. Escrevíamos cartas para matar as saudades da família. E aqueles que não sabiam escrever tinham que pedir a outros para lhes fazerem as cartas. Ainda não se utilizava o telefone. O telefone surgiu ainda não há muitos anos. A gente se não o ganhasse lá, estava mal! O que se cultivava muitas vezes não chegava para a ajuda de criar os filhos e para a mulher. As mulheres costumavam ficar em Soito da Ruiva. Era “rala” (rara) aquela que ia para Lisboa com o marido. De vez em quando, tínhamos que mandar dinheiro para cá. Outras vezes, quando vinha de Lisboa uma pessoa, ou assim, dizia: - “Eras capaz de me levar este dinheirito e entregar à minha mulher?” A mulher fartava-se de trabalhar, mas não ganhava dinheiro. E sem dinheiro também não se vivia em Soito da Ruiva. Era preciso comprar uma roupazita para ela e para os filhos, petróleo, fósforos, com licença, o porco, e essa coisa toda. Embora não houvesse luz, gastava-se à mesma. Ela tinha que ter sempre qualquer coisita por modo de se governar. As pessoas que estavam em Lisboa, naquela altura, não se juntavam muito, porque não queriam gastar o dinheirito para trazer para a família. Cada qual tinha que fazer o seu comerzito. Eu também, até porque fui eu que ajudei a criar os meus filhos quando estavam em Lisboa. Fazia o comer para mim e para eles. Uma panela de comer para os três e em se acabando aquela tinha que se arranjar outra. Hoje a maior força do pessoal da minha terra está e mora na Piedade. Moram alguns em Lisboa, mas a maioria está na Piedade. Tenho lá dois irmãos da minha mulher, a minha sobrinha e o meu sobrinho. O meu filho tem um estabelecimento em Santa Iria da Azóia e mora em Vale de Figueira, próximo a S. João da Talha.