Depois, comecei a trabalhar na Ribeira Nova. Fui para o peixe por pedido. Na altura, familiares meus é que me foram inscrever no sindicato, porque os encarregados iam lá buscar os trabalhadores que precisavam. Então, fui chamado. No princípio, quando fui trabalhar para o peixe notei uma grande diferença. O trabalho era muito pesado. Era agarrado à padiola. Mas como não havia outros empregos, lá tinha de ser. Os pescadores iam pescar e nós é que descarregávamos o peixe para a padiola. Tinha que descer do batelão e assim que o peixe está em terra, a gente começava a descarregar. Por vezes, quando o mar estava fundo, a gente tinha que descer ao batelão e a ponte para subir com a padiola era a pique para vir para o mercado. Era um bocado duro. Para quem não sabe, uma padiola era uma espécie de maca que tinha que ter dois vareiros, um num lado e outro no outro. A meio tinha as travessas, onde as caixas eram colocadas por cima. Então, pegavam os dois, um a frente e outro atrás. A gente carregava caixas de 60 quilos e outras vezes eram quatro caixas de 25 quilos cada uma, de sardinha. E tinha que se carregar aquilo o mais depressa para ir para o mercado, para a doca. Era um tanto cada caixa e quanto mais levasse, mais rápido era o trabalho feito. Na altura havia muitos padiolas. Chegámos a lá estar uns cento e tal. Mas também tínhamos que ir fazer a noite para descarregar o barco e só vínhamos no outro dia as sete horas para casa. Tínhamos que lá estar toda a noite caso houvesse peixe, para podermos descarregar. A puxar de lá de baixo, do mar para cima. Quando havia vaga estávamos lá deitados naquelas caixas e ao frio. Dormia nas caixas até chegar a hora. Os da manhã iam pegar nas descargas do dia e a gente vinha embora. Nessa altura, vivia na Calçada dos Cesteiros, que fica na parte de cima dos caminhos-de-ferro de Santa Apolónia. Antes, tinha vivido noutra rua que fica perto, a Rua da Cruz. Nessa altura, estavam muitas pessoas de Soito da Ruiva a viver por esses lados. Depois do trabalho juntávamo-nos e íamos para as tabernas. A gente tinha dias de trabalhar das 4h da manhã às 10 horas. O peixe vinha muito cedo. Mesmo que o peixe pegasse às 5h e tal, a gente já tinha que estar lá na Ribeira. Àquelas horas íamos a pé da Calçada dos Cesteiros até à Ribeira, ou seja, até o Cais do Sodré. Era a andar um bocado. A gente ia alongar pela praia. Era assim a coisa! Por vezes, havia ladroeiros. Tantas vezes, que a gente teve que deixar de ir a pé para irmos de autocarro. Eu gostava mais de viver em Lisboa do que na Piedade. Claro que nunca é como na nossa terra. Mas gostava de viver em Lisboa. Nem metia conversa com os que estavam na Piedade. Às vezes, diziam-me: - “E se fôssemos passear até a Piedade.” Respondia: - Farto de lá venho eu! Não queria voltar! Vinha castigado de lá.