Estive em Lisboa uns 20 e tal anos. Vim para o Soito da Ruiva com uns 40 e tal anos. Durante esses anos, a minha mulher esteve sempre cá. Cheguei a estar aos 10 e aos 11 meses sem vir a casa. Quase um ano, sem ver a família! Às vezes, vinha no Verão, ou no Inverno, ou em Outubro, enquanto estava a trabalhar na Ribeira. Trabalhávamos à empreitada e tínhamos que pedir autorização ao encarregado. Quando comecei a trabalhar na fábrica, tinha patrão e era mais difícil pedir-lhe. Mas quando vinha à terra, às vezes estava cá uns meses, principalmente na altura em que havia mais aperto no trabalho da terra para poder ajudar à minha mulher. O trabalho aqui era agarrado a uma enxada a cavar e depois era ajudar nas colheitas. Mas dependia de quando me deixavam vir. Por vezes, as mulheres, coitadas, é que tinham que fazer o trabalho todo. Além disso, cuidavam dos filhos. Ficavam a cultivar as terras por aí assim. Era um trabalho pouco bom. Isto hoje já não é nada do que era. Hoje, e até acho bem, o casal casa e, por exemplo, vai daqui para Lisboa ou por outra terra. Vão juntos. Não fica um e vai outro. Além disso, trabalham os dois. Mas nesse tempo, cá nesta terra era tudo assim. Os homens andavam por Lisboa sozinhos e as mulheres pela aldeia também sozinhas. Era uma vida pouco boa. Não era nada boa, nada, nada!