Lembro-me do nascimento dos meus filhos. Quando soube que estava grávida fiquei contente, mas depois tive dois anos sem ter nenhum. O meu marido estava em Lisboa quando soube que ia ser pai. O parto foi em casa. Não veio o médico. As mulheres cá ajudavam-se umas às outras. Mas graças a Deus nasceu tudo bem. Nasceram todos cá em casa. A gente arriscou-se. Agora as mulheres já não querem arriscar. Em dando conta, começam logo a andar nos médicos para saber se é rapaz, se é rapariga, a fazer logo tratamentos. Nós não. Era até chegar a hora. Os meus filhos foram para a escola do Sobral, porque a escola da aldeia só foi construída no fim dos meus já não precisarem dela. Não veio para cá professora durante dois anos e a escola já lá estava. Mas não veio para cá professores, nem para aqui nem para o Sobral e eles tiveram que estar em casa. Ao fim de dois anos, os meus mais velhos foram para o Sobral e o mais novo é que andou na escola da aldeia. Recordo-me que os mais velhos, passaram muitas. Às vezes, estava a chover, vento, trovoadas, muito frio e tinham que se levantar de manhã cedo para chegar a tempo à escola. Demoravam cerca de uma hora a bem caminhar! Tinham escola todo o dia! Às vezes, chegavam a casa já de noite, que a professora, às vezes, largava a escola e ainda os levava para casa dela para estudarem mais. Eu tinha que os ir esperar, já era noite, todos molhados. A chuva e o vento era tanto que lhes viravam os chapéuzitos. Chegavam já de noite e eu ainda tinha que lhes tirar a roupa, enxugá-la ao lume ou lavá-la para levaram no outro dia. Ao outro dia, era o mesmo caminho. Tinham que se levantar cedo para tornarem a ir para a escola. Quem andou na escola da aldeia foi outro mimo. O mais novo que já andou cá, teve outro mimo. Já vinha comer a casa e os mais velhos não! Tinha que lhes aviar sempre o saco, a bucha, para lá comerem, mas que é que eu havia de lhes arranjar? Às vezes, um bocadito de queijo ou uma sardinha. Era o que havia. Tinham que lá estar todo o dia assim, sem nada, só à noite é que vinham comer. Sofreram muito e tanto tempo que andaram lá. Fizeram da 1ª até à 4ª classe. Foram quatro anos que lá andaram. E mal de mim! Sofreram eles e eu, para lhes arranjar o comer. Tinha que arranjar o comer para comerem de manhã antes de irem para a escola, arranjar a bucha para levar, arranjar as roupas. Naquele tempo era uma miséria, não havia farturas de roupas como agora. Uma tinha que chegar para uns poucos de dias. Em cá chegando, tiravam-na e se viesse molhada tinha que a enxugar ou passá-la por água e tornar a enxugar. Agora, aquele que filho que andou cá, parece que já não fez escola. Não se ia molhar, não apanhava frio e comia em casa. Os outros, passaram das boas e havendo escola na terra! Mas não havia professor que para cá viesse. Depois vieram para cá várias professoras. Cada ano havia uma. Em cá estando um ano, já não ficavam mais, porque não queriam estar nestas terras. Os filhos costumam vir cá à aldeia, mas vivem noutras aldeias. O mais velho mora na Malhada Chã. O do meio mora na Relva Velha e o mais novo em Pomares. Tudo pertence a Arganil. Quando cá andam a trabalhar, até vêm a casa todos os dias. Mas quando andam a trabalhar para outro lado, é mais raro virem. Mas quase todas as semanas aparecem. Também não têm vagar, porque durante a semana andam a trabalhar nas obras e no sábado é mau para fazer o deles na fazenda e as batatas. Todos eles têm muito terreno. E nas férias, às vezes, ainda cá vêm. Ao menos pelas festas aparecem. Às vezes, ia à piscina com os meus netos e filhos. Eu não sei nadar, mas fui muita vez à piscina com eles. Até levávamos merenda. Foram os meus filhos que fizeram a torre do relógio. Antigamente já lá havia uma, mas ao fim caiu. Ainda me lembra de estar toda no chão e não haver nada. Ao fim, os meus filhos é que a fizeram com o apoio da Comissão. Eles também fazem parte da Comissão. Pagam as quotas, são sócios. Muita coisa que aí há já foram os meus filhos que a fizeram, por isso sei bem que primeiro não existiam cá essas coisas. Os netos é que agora falham mais. A escola é uma prisão e não podem cá vir sempre. Nos sábados ou domingos é mau, porque têm de fazer os trabalhos - também trabalham com o computador - e têm que estar lá. Se não resolvem os pais vir, eles também não vêm.