Da lenda do lobisomem, eu, primeiro, ouvia falar. As pessoas falavam, mas isto já é muito antigo. Já não é da minha lembrança. É já dos antigos, desde o tempo do meu bisavô. O meu avô é que contava, mas não sei se já era no tempo dele ou se já teria sido. Contava que, às vezes, as mulheres mais velhas, já de idade, ficavam a fazer serões nas casas umas das outras. Agora não usam ir para casa umas das outras fazer serões, mas naquele tempo iam. Levavam sempre coisas para fazer. Linho para fiar. Faziam toalhas e outras coisas em linho. E o meu avô é que contava, quando a gente era pequenita mas já tomava sentido, que estavam na casa do pai dele as mulheres a fazer serão e a trabalhar naquelas coisas delas e que havia cá um galo preto romano - desses que adivinham - e à meia-noite estava a cantar. E disseram umas mulheres para as outras: - “Ai, calai-vos! Calai-vos!” Até apagaram a luz dos candeeiritos a petróleo, que não havia outra coisa, e disseram assim: - “Calai-vos! Olha, que está uma coisa para entrar para o povo! Está o galo preto a cantar. Alguma coisa está para entrar para o povo!” E sentiram aquele tropelo à porta por aí abaixo, até pareciam ferraduras de cavalos. Foram ver à janela e ele por modo de dar a volta lá numa casa que lá estava, que não cabia na rua, até botou as patas por cima de um lajeado para se virar. Foram ver lá adiante ao largo da escola e ainda o viam a ir por aí abaixo, pela estrada, as ferraduras a botar fagulhas. Por isso é que a quinta que lá está, que ainda é minha e dos meus tios, se chama “A Quinta da Fagulha”. Diz que por causa do lobisomen que lá ficou aquele nome. Por verem cavalos a botar fagulhas é que ficou o nome assim. E ao fim diziam que era um lobisomem. Diziam que aquilo tinha que correr sete ermidas numa hora. Sete capelas ou sete igrejas numa hora. O que aquilo tinha que andar! Aqui já era uma, já contava. E quem sabe lá de onde é que ele viria já a contar! Mas no outro dia não viam nada no chão. Ouviram aqueles tropelos, passou e lá foi para outros lados. Aquilo em se passando aquelas horas, volta ao normal, porque é qualquer coisa que tem a pessoa de andar aquela quantidade de distância naquela hora. A gente com medo não ficava, que naqueles tempos apareciam muito aquelas coisas. Não havia electricidade, isto era tudo escuro. Mas já falavam nisso. Era o meu avô que me contava. São histórias!