Quando era pequenina, brincava sozinha com bonecas de farrapos, que não havia dinheiro para comprar outras. Era a minha mãe que as fazia e uma tia minha também, que é meia atrasada, quando ia guardar o gado. Punha o aventalito de uma cor, a saia da outra e a blusa de outra. Também brincava com a minha irmã. Brincávamos as duas, porque o meu irmão estava com o meu avô e nós morávamos no cimo da aldeia. A dona Deolinda vive numa casa mais acima e nós vivíamos na casa abaixo, que ardeu. A gente como estava longe das outras pessoas, nem vinha para o largo ao pé da escola com as pessoas da nossa idade brincar. A minha mãe não deixava a gente ir para baixo. Lá ficávamos a brincar. Mesmo quando era no tempo das brincadeiras, assim de danças, a gente nunca ia, mas via lá em cima. Não estávamos habituados a conviver assim. No meu tempo, a minha mãe comprava barras de sabão e partia-as em seis bocaditos. Agora já não é assim. Era sabão azul e branco. E depois a minha mãe, que Deus tem, punha um bocadito aqui, outro ali, outro ali. Fazia seis bocados de uma barra para chegar para meio ano. Punha-o partido para se fazer rijo para não se gastar tanto ao lavar a roupa. Era costume lavar-se o aventalito ao sábado para o pôr no domingo para andar com a roupa lavada nesse dia. Antes não havia luz! Quando me criei, a minha mãe dizia: - “Vamos comer enquanto é de dia, para se não gastar o petróleo!” E quantas vezes tínhamos muita lenha de pinho e íamos buscar sacas de pinhas? Punham-se as pinhas no lume e comia-se à luz daquilo para poupar no petróleo. Que não havia dinheiro para o comprar. Não era muito caro, agora é pior. Só que não o havia. Uma vez, as galinhas andavam a pôr ovos e disse: - Ó mãe, hoje vou fritar um ovo para o lanche.“ A gente não dizia lanche dizia merenda. E ela dizia assim: - ”O deste mês é para o petróleo. O do outro mês é para o sabão. O do outro mês é para as linhas e o do outro mês é para os fósforos.“ Palitos para acender. Não era fácil. Quando criei os meus filhos já foi melhor, do que quando eu me criei. O meu marido andava em Lisboa, ganhava e guardava o dinheiro para quando vinha ou então mandava-o. Mas quando me criei... Os meus pais tinham animais para tratar. Tinham que tratar dos animais durante o dia, mais que uma vez ao dia. Quem tinha cabras e ovelhas, tinha que tratar delas todo o dia. Ir ao mato. Tinha que se ir à lenha, à erva para os animais. E se estava mau tempo e não se podia sair, estava-se na cozinha junto à lareira a falar, a contar histórias. O meu avô é que as contava, mas a minha cabeça já não se lembra.