O meu marido era de cá, Soito da Ruiva. Conhecia-o desde pequenina. Ele namorou com a minha prima e casou com ela, mas ela era muito doente. Teve a menina e a gente é que olhava por ela. Ainda nem tinha 30 anos, quando morreu. Depois, comecei a namorar com o meu marido. Já eu tinha feito 21 anos. O nosso namoro não chegou a demorar um ano. O meu marido deixou a filha com a madrinha dele e da mulher. Era tia das duas e era madrinha das duas. Mas essa madrinha andou cá só meio ano. Morreu também de uma trombose. Naquela altura nem chamavam trombose, diziam que era um “ataque”. Do mesmo que tinha morrido a mulher do meu marido. Depois ele não tinha quem lhe tomasse conta da filha e então foi a minha mãe, que Deus tem, é que tomou conta dela. Entretanto, ele resolveu casar-se, havia dez meses que ela tinha morrido. Os irmãos dela não queriam, não gostavam que ele se casasse antes de fazer um ano. Mas ele tinha a filha por criar e ninguém olhava por ela. E para ele conseguir ganhar dinheiro, não podia estar aqui de roda da menina. Foi então que a gente se casou mais depressa. Eu gostava dele, porque era muito boa pessoa e trabalhador. Além disso, era bonito, sim, senhora. Muito bem parecido, branquinho, com os olhos azuis. E a minha filha é muito parecida com o pai. Casei-me com 22 anos, em Pomares. Foi um dia especial, mas só chamámos os padrinhos - a minha irmã Libânia e o meu cunhado - porque ele era viúvo e havia dez meses que a mulher dele tinha morrido e não estava agora para chamar convidados e fazer festa. O vestido que se usava no meu tempo era um fato azul, saia e casaco. Comprei os sapatos, a blusa branca e o pano, o tecido de lã azul-escuro para fazer a saia e o casaco. Usava-se também mais um véu preto e um xaile de merino. Ora, para que é que a gente queria o bandalho do xaile? Mas naquele tempo usava-se. Era assim. Hoje não. Hoje já usam vestido. De prendas, não tive nada! O enxoval éramos nós que tínhamos que arranjar dinheiro para o comprar. Ninguém deu nada, porque, naquele tempo também não davam. Hoje já dão prendas. A casa para onde fomos viver era a dele e da primeira mulher. É esta onde vivo agora. Tanto que a minha enteada tinha direito a metade. Hoje, não. Hoje a lei é diferente, mas naquela altura, o menor tinha direito a metade e o viúvo ou a viúva tinha a outra metade. Hoje até é dela toda. Por minha morte é dela, porque fizemos partes iguais. E, enquanto eu for viva, estou cá. Em eu morrendo, já fica dela e os outros ficam noutros lados.