Cá não havia dinheiro para comprar nada. Era uma miséria. Aqui não havia quem desse nada a ganhar. Nessa altura, muitos ainda iam para os lados da Soalheira, de Castelo Branco. Iam para lá quando era pela ceifa e até para as estradas. De resto, aqui não se ganhava nada. Iam para lá ceifar o centeio e o trigo que por lá tinham. O meu avô, da banda do meu pai, ainda chegou a ir lá para a ceifa. Era só no tempo de ceifarem o centeio. Depois voltavam. O meu avô ainda para lá foi. O meu pai, que Deus tem, contava muita vez que andavam a ceifar o pão, o centeio e havia lá um, que era quem mandava naquilo, que já queria fazer pouco deles. E, um dia, disse para um tio dele: - “Ó tio, aquele vai a fazer pouco de nós!” Ele começou a fugir para um lado. E vai ele assim: - “Deixa-o ir, que ele em lá chegando já volta para trás.” Ele repetiu: - “Tio, olha que ele vai a fazer pouco da gente.” O meu avô não quis fazer conta. O meu avô foi por ali fora e quando chegou ao cabo do talhão do centeio, o outro botou a mão ao centeio por baixo da foice e o meu avô bota-lhe a mão por cima da foice e ficou com a espiga na mão. O outro ficou só com a palha no chão. Mas o patrão que foi sempre a acompanhá-los disse assim: - “Alto lá! Já te avisei muita vez que quando há um homem, há dois! E tu não tinhas nada que vir fazer isto que fizeste!” Depois, disse para o meu avô: - “Você fuma?” Ele disse: - “Às vezes, fumo um cigarro, mas não é assim grande vício.” E ele disse assim: - “Tome lá este cigarro, sente-se e fume-o aí até eles cá chegarem.” E o patrão mandou o outro homem ir para o mesmo sítio. Depois ficou todo danado, ainda foi acima e disse para o meu avô: - “Você estava lá à minha ordem!” Quando era no tempo das castanhas, também iam para Soito da Casa apanhá-las e traziam-nas para comermos. Mais tarde, os homens começaram a ir para Lisboa, primeiro nem para lá iam. Eu não me lembra do meu pai ir para Lisboa, porque ainda era pequena. O meu pai trabalhava no peixe, com as padiolas. As padiolas eram feitas com dois paus e duas tábuas pregadas por cima, onde punham as caixas. Eles trabalhavam na lota, mas eu não sei como era, nunca lá fui! Não sei quantos anos ele esteve a trabalhar em Lisboa. Veio para cá ainda cedo, porque estava doente. Deram-lhe pouco. Veio para cá com 300 escudos. Já vocês podem ver a reforma que lhe deram. O meu marido também para cá veio com 300 escudos. O meu marido também trabalhou no peixe, em Lisboa. Não trabalhava no mesmo sítio que o meu pai, mas era no mesmo ramo.