Eu nunca fui assim miúda de chás. Mas há aqui muitas plantas que as pessoas usam para fazer chás e curar doenças. Nessa altura havia aí até muito quem tivesse dessas coisas que eram precisas para qualquer doença. Mas agora já tudo também desapareceu. Por exemplo, eu tinha um pé dessas ervas que ajudavam a curar. Dava um bocado a uma senhora, dava outro bocado àquela e cada uma se punha para si. Quando alguém se magoava, partia um braço por exemplo, já era diferente. O meu irmão mais velho partiu uma perna nas vésperas da festa do São Lourenço. Nunca cá tinham feito a festa com música e esse ano mandaram cá vir a música, um que também já morreu. Prometeu e mandou cá vir a música. Depois o meu irmão andava aí pelas ruas com os outros rapazes a enfeitar os arcos, que eles para isso tinham habilidade. Depois vim ali a casa da minha avó e disse-lhe: - Quer que lhe faça alguma coisa, vó? E ela disse: - “Olha faz-me isto.” Não sei o que era já. E eu estava lá em casa dela e depois chegaram lá: - “Olha que o teu irmão partiu uma perna.” - Credo! - disse eu. Veio uma trovoada muito grande e nós tínhamos uma fazenda lá em baixo ao pé da ribeira e a água entrou por lá dentro. E ele foi para modo de virar para fora, mas já não a pôde virar e veio para cá. Ela estava lá a cair para o terreno, mas eu tinha-o cavado e andava aí há pouco tempo e ele estava a tapar para ir para os castanheiros, que já lá andava prejuízo. Caiu uma fraga de cima a baixo, empurrou-o e partiu-lhe a cabeça. Levou alguns pontos na cabeça. E partiu a perna em baixo, onde caía a água. O meu pai, que Deus tem, tinha lá posto uma pedra para segurar a água e ele bateu com a perna na pedra e partiu-a. Depois, a minha mãe, que Deus tem, também vinha de tratar das cabras, mas abalou para lá. Não sabia que ele para lá tinha ido, mas abalou para lá para ir lá ver também como estava aquilo. Quando lá chegou ia ele já aos arrastões num bocado e ficou com a cabeça fora da parede. Ela só disse: - “Ai Toino, que tu cais abaixo e morres!” E ele, coitado, estava atordoado com aquilo na cabeça. Ela depois agarrou nele. E ele não queria que ela o trouxesse, porque era tudo a subir: - “Você não pode! Não me leve! Você não me leve! Vá chamar quem me venha buscar!” Mas ela tinha medo que ele se pusesse pior. Vinha lá com ele às costas, só que depois estava lá a Ana da Relva do lado de lá a tratar do gado, e ela chamava, gritava e acenava para baixo, mas ninguém ouvia o que ela dizia por causa do barulho da água. Eles abalaram para lá, o que o foi lá buscar também já morreu, e chegou lá e disse: - “Ó prima, dê-me cá o rapaz que eu levo-o.” - “Não, que ele está todo sujo.” Porque a terra ainda tinha sido cavada de há pouco tempo e ele ficou com a roupa toda enterreada. - “Deixa lá, que a água tudo lava!” Depois, quando ele chegou a casa, disse-lhe: - “Olha, diz à Diamantina que venha cá trazer a roupa, que a minha Deolinda ainda a vai lavar.” - “Era o que faltava! Ela está lá não é para outra coisa!” E não quiseram lá vir trazer a roupa. Mas ela lavava-lhe de boa-vontade. Ao outro dia, no dia da festa é que o levaram para Arganil. O meu padrinho e o meu tio foram chamar um homem que havia no Piódão, que diziam que era o barbeiro. E ele veio cá, que ele era muito amigo da minha gente. O meu irmão estava a gritar e a minha mãe disse-lhe: - “Tem paciência também! Então estás só a gritar.” - “Grita, grita, que tens razão para gritar. Só nesta casa é que havia de acontecer isto, que não te posso aqui curar. Tens de ir para o hospital.” Foi lá ao outro dia. Puseram numa manta, uns paus e levaram-no assim daqui para Pomares. Quando os chás ou as rezas não resultavam chamavam um homem que havia no Piódão, que diziam que era o barbeiro. Esse senhor dava remédios. O filho dele sabia mais que alguns médicos. Esse senhor curava as pessoas. Quando o meu pai, que Deus tem, estava doente, a gente às vezes mandava-o vir e ele vinha. Uma vez o meu pai estava muito mal, mas não o mandámos vir. Mas ele vinha do Piódão cá vender o pão. E depois ele disse: - “Ó Artur, então como é que está o Alberto?” E ele disse-lhe assim: - “Olhe que ele está muito mal. Está mesmo mal! Hoje veio lá o padre dizer uma missa e o genro foi chamar para modo de o ir sacramentar e ele não quis lá ir!” Ele só foi assim: - “Não quis lá ir? Então vamos ver se lá vão ou não.” Depois falou para o padre de Vila Cova e disse-lhe que ele que estava cá assim e que se ele cá pudesse vir que era um favor que fazia. Ele veio cá e depois ainda dissemos: - “Olha, ele ainda lhe fez as coisas que a gente gostou mais do que o outro fazia.” Lembro-me de quando era miúda de irem a um médico, o doutor Vasco. Uma vez, estava um primo meu doente, um irmão do Neves que ainda era pequenito. E o avô dele também estava doente, tanto que morreu nessa noite. E depois foram chamar o doutor Vasco para ele cá vir ao avô e ele não quis cá vir, porque estava muito mau, botou-se a nevar! Disseram-lhe como é que ele estava e deu os remédios. Os que chegaram cá deram-lhe as injecções, mas já não resultou. Depois, a minha prima, a mãe do Neves, disse: - “Ó madrinha, tenho que ir com ele, da maneira como ele está.” - a minha mãe era madrinha dela. E ao fim ela disse: - “A Deolinda que vá contigo para o ajudar a levar, mas vou-vos levar além à Barroca dos Castanheiros. Depois chegou lá e diz ela assim: - ”Ouve lá! Vós ides com ideias de vir ou é de lá ficar?“ Era de noite. E ela disse: - ”Ó madrinha, como é que eu lá fico que o meu sogro já não chega de manhã.“ Depois ela disse assim: - ”Então se não é para lá ficarem, voltemos para trás e depois amanhã a Deolinda já lá vai.“ Eles trouxeram o recado, que tinha morrido no Sobral Magro e era para a gente ir ao funeral a Pomares. E depois ela disse-lhe: - ”Amanhã, a Deolinda vai falar com o médico.“ Assim foi. Fôramos daqui para baixo e eu cheguei a Pomares enquanto eles foram para a Igreja. Eu agarrei e disse que tinha que ir a Avô. E depois uma rapariga lá disse: - ”Então eu também vou consigo.“ E foi comigo. Quando lá chegámos, a gente também não demorou. Quando lá chegámos foi quando ele saiu da igreja para fora. Depois trouxemos-lhe os remédios, começámos a dar-lhe e o rapaz começou a melhorar. Agora temos médico uma vez por mês, mas antigamente não tínhamos. É complicado, mas se a gente tivesse que ir daqui para Arganil para o Centro de Saúde, ainda era pior. No outro dia, diziam que tiravam o médico de cá, porque agora também tem fechado nalguns lados o Centro de Saúde. Ele é que disse que este mês ficava resolvido se cá ficava ou não. Mas se ele viesse a Pomares, que também cá vinha.