Eu e os meus irmãos fomos criados fora do meu pai. Nem eu tinha amor ao meu pai, nem o meu pai me tinha amor a mim, mas de qualquer maneira eu respeitava-o como pai. Ele de vez em quando dava-me as suas latadazinhas e tinha que aceitar. Mas respeitei-o sempre, respeitava-o e bem que eu tinha medo dele. Ele era assim um bocado duro. Respeitei-o sempre, bem até um certo ponto. Quando comecei a ganhar uns tostõezitos, a cavar terra aqui, com pouca idade, acompanhava o meu pai quando ia cavar. Ganhava dez escudos por dia. Houve uma bela altura em que, quando uma senhora veio-nos trazer o dinheiro que tínhamos ganho, calhou o meu pai não estar cá e quem recebeu o dinheiro fui eu. Depois fiz a entrega do dinheiro ao meu pai, mas fiquei com dez escudos para mim. E disse-lhe: - Estes dez escudos ficam para mim que é para ir comprar uma prenda em Vale de Maceira. Onde faziam uma romaria. E o meu pai calou-se, mas não foi de muito boa vontade. Depois disse para as minhas irmãs: - “O António ficou com dez escudos para ele, só estou para ver se vai gastar mal gasto.” Eu havia de comprar uma grande coisa com dez escudos. Andei na escola em Sobral Magro, mas o tempo da escola foi difícil. Gastávamos quase uma hora, tanto para baixo, como para cima. A dificuldade que nós tivéramos para aprender aquilo que aprendemos! Por vezes, gastávamos até mais porque vínhamos na brincadeira uns com os outros. Fazer este trajecto todos os dias, para baixo e para cima, por vezes com tempo de chuva e os agasalhos eram fracos, eram poucos. Às vezes não havia agasalho para a gente se agasalhar, não havia um guarda-chuva para livrar a chuva. Quando ela vinha tínhamos que vir em corrida ou aparar-lhe as costas. Era o remédio. As professoras naquele tempo não paravam na aldeia. Não gostavam do sítio. Vinham estar aí dois ou três meses davam à sola e iam-se embora. Depois até que viesse outra estávamos aí uma quantidade de tempo sem escola. Foram tempos difíceis, em tudo. A escola tinha só uma sala, mas bastante grande porque naquele tempo havia muitos alunos. Chegávamos a andar uns 30 e tais, 40 alunos. Mas era uma sala única. A professora também era só uma. Tínhamos que comprar livros e cadernos, era tudo à conta do próprio aluno. Lá havia um ou outro que, coitaditos, tinham mais carência e a professora cedia um cadernozito ou um lápis, isto ou aquilo. No começo do ensino era tudo escrito numa pedra, quer fosse contas, quer fosse cópias ou coisa assim, em princípio era tudo em pedra.