Ó raio de namoro. Raios partam o meu namoro. Naquele tempo como é que eram os namoros? Eu já o conhecia desde pequena, que era de Soito da Ruiva e meu primo. Chama-se Jaime Bento. Mais tarde, ele chegou a andar por outros lados, mas não o quiseram, então também foi para Lisboa para trabalhar. Numa das vezes em que veio à aldeia, pediu-me em casamento. Ele tinha que vir pedir primeiro a mão em namoro. Os meus pais já se conheciam. O pai dele era meu tio, irmão da minha mãe. Então, autorizaram logo. Antes de casarmos, namorámos um ano e alguns meses. Naquele tempo, era pedir a mão e casar logo. É verdade! Antes do namoro, não chegáramos a trocar muitas cartas. Depois ele ainda escreveu! Por acaso, recebi muitas cartas de namoro. Ele sabia escrever bem! Mas para quê? Quando pensei em ficar com ele, sei lá o que mais me valia? Recordo-me que era uma prima minha que me lia as cartas, mas naquele tempo não vinham muitas cartas. Vinham mal! Não as recebia por mês, era quando calhava. Namorava-se por carta! Já a sua filha, Cidalina, conta que teve alguns namorados, mas nunca casou. Diz que “não deu. Não calhou! E se era para ter a sorte que a minha mãe teve mais vale estar assim. Ainda recebi algumas cartas e era eu quem as lia. Também as escrevia. Mas muitos eram viúvos e não quis. Só um é que era solteiro e não era de Soito da Ruiva. Mas depois acabou!” Muitos casamentos eram feitos aqui na aldeia. Primeiro, esta rapaziada que era de cá e casava aqui. Havia uns que casavam com pessoas de outras aldeias. Para se receber o casamento, às vezes, era em Pomares. Mais tarde, passou a ser ali na capela. O padre vinha cá dizer a missa. Na altura, quem podia fazia bons casamentos, quem não podia fazia com menos. Um bom casamento era arranjar bom comer e coisas diferentes. Os fatos dos noivos eram conforme podiam. Uns eram melhores, outros eram mais ou menos. Havia de tudo. As mulheres costumavam levar um fato. Ainda me lembra que quando me casei fui mandá-lo fazer a Pomares. Era um fato azul, saia e casaco, uma blusa branca e um véu preto. Naquele tempo era moda assim. Na altura, usei uns tamancos, uns sapatos que comprei de propósito para o casamento. É verdade! Usava-se muito mal sapatos! Mas os sapatos eram mais macios. Os sapatos eram mais macios. É que as pessoas estavam acostumadas a andar descalças e quando usavam os sapatos primeiro ficavam com os pés a doer. Mas eu não, levei nos pés. Porque naquele tempo, queria-se calçar e não se podia, porque não havia. Ainda fiz um bom casamento, em casa! Credo, era muita gente! Já não tomo sentido de quantas pessoas eram. O bolo fazíamos cá na aldeia. Mandámos matar rês para comer. Fizemos muitos doces. Eu sei lá? Já tinha uns 20 e tal anos quando me casei. Foi uma grande festa! Por acaso foi. Tudo comia, bebia e dançava. Havia concertina e tudo. Depois o meu marido foi-se embora para Lisboa. Esteve lá muitos anos e vinha de vez em quando para ajudar nas colheitas, mas ele também era doente. Ainda é. Já lhe falta um rim. Tinha vezes que se via à rasca. Mas quando eu pensei em fazer o casamento valia mais... Olhe que uma vez, ainda me lembra, que fui lá a Pomares e uma mulher, que a gente chama benjilhona, disse-me logo que tinha a vida estragada. Fiquei com medo, mas era por causa do pai da minha filha. Até já sabia o que me vinha acontecer. A senhora apenas acertou! Mas não mudei nada na minha vida. Deixei andar! Ele arranjou outra mulher, do Porto. Depois ele divorciou-se sem eu saber. Havia oito dias quando o meu filho, o Amadeu, tinha morrido, quando ele fez isso. Daí a uns dias é que cá chegou uma carta para ir a Arganil. Ainda veio ao funeral do filho e foi nessa altura que veio fazer aquele trabalho. Apesar disso, ele ainda fala para cá todos os sábados. Foi ele que mandou pôr o telefone. Continua a ser amigo da minha filha. Raramente vem à aldeia. A última que cá esteve foi quando o meu outro filho, o Daniel, morreu, no ano passado. A partir de então, não tornou a vir. Eu não pensei mais em casar-me novamente. Tomara eu nunca ter arranjado nenhum. Tinha-me safado das boas.