Quando era mais nova morava com a minha mãe e os meus quatro irmãos numa casa que tenho junto à minha. Já nem se vê. Era assim uma casita de pedra, tapada com lajes. Tinha duas salazinhas: uma mais pequenina e outra maior. Tinha uma cozinhita pequenina, duas janelazitas para baixo e uns quartinhos muito pequeninos na parte de cima, quase só à medida do corpo. Não tínhamos lá mesas-de-cabeceira nem roupeiros, nem coisa nenhuma. Cabia só lá uma camita e a gente dormia ali assim. Nem tinha um quarto só para mim! Dormia com a minha mãe. Os meus irmãos dormiam no outro quartinho pequenino. Outros dormiam por outro lado, até no chão. Quantas vezes dormiam até no chão! Sabe Deus como se viveu... Quantos dias acordávamos e estavam as águas das chuvas a cair-nos em cima e eu assim: - Ó mãe está-me a cair chuva. E a minha mãe, coitadinha, levantava-se e ia pôr umas coisinhas a aparar, em cima no sótão, para ela não nos estar a cair em cima. Foi assim a nossa criação. Na cozinha era onde eu mais gostava de estar! Estávamos sempre lá ao quentinho, porque tínhamos fogueira para cozinhar. Naquele tempo não havia fogão. Mas a gente não tinha chaminé como agora. Púnhamos lenha para ali. Era fumo por todo o lado, mas depois desaparecia. Subia e saía pela janela. Às vezes, a minha mãe saía à rua e dizia: - “Deus mande tempo bom, que estou aqui neste inferno.” Quer dizer, eram dois infernos. Era o inferno de aturar o fumo e de aturar a gente. Porque a gente estava sempre a dar pancada uns nos outros. Estive a morar dez meses em Lisboa. Só que esses dez meses foram como dez anos para mim. Nunca gostei de Lisboa. Já lá fui muitas vezes, porque tenho lá os meus filhos, mas depressa me farto de lá estar. Prefiro viver na minha terra. Estive lá dez meses com a minha filhinha que me morreu, tinha quatro aninhos. O meu marido nessa altura ganhava 30.800 escudos. 800 escudos eram 8 tostões. Trabalhava quatro dias por semana! Como é que eu havia de gostar de viver lá? Não era um bom ordenado para pagar renda de casa e sustentar três pessoas... Vim-me embora, que eu dizia o seguinte: - Eu tenho a minha casa - já tinha esta casa feita - e estou aqui a pagar renda? Quando chegava o dia de pagar a renda roía-me toda. Pagávamos 270 escudos ou o que era. Mas para o ordenado do meu marido era muito pouco. E para governar três pessoas... Não tem explicação.