Tínhamos porcos. Até nos vinham aí matar dois porcos. Nos dias da matança, a gente chamava as pessoas mais chegadas. A gente, para a “dejuva” da manhã, fazia logo o pequeno-almoço. Às vezes, cozíamos umas panelas de castanhas. Eram boas! Agora a gente já não gosta delas. Primeiro eram melhores que agora. E fazíamos umas baceadas de filhoses - dizíamos que eram filhoses - também para se comer de manhã. E fritávamos umas pratadas de sardinhas. Comiam tudo antes de irem matar o porco. Ia-se então matar o porco e depois fazíamos o almoço. Eram umas poucas de cozinheiras. Ajudávamo-nos umas às outras. Emprestávamos as panelas umas às outras, porque naquele tempo cozíamos tudo ao lume. Tínhamos muitas panelas de ferro e andávamos assim com as panelas. Só para nós eram umas panelas mais pequenas e a gente emprestava as panelas umas às outras e andava assim. Conforme hoje se acabava a festa naquela casa, outro dia já levávamos as panelas para outra casa. Matávamos o porco mas tínhamos que chamar às vezes homens de fora, sem ser as pessoas de família, para o arranjar. Depois a gente abria o porco. Tinha o almoço feito. Cortávamos logo um bocado daquela carne que tem muita fêvera, que era muito gostosa. Agora já não é assim. Fazíamos torresmos, comiam o sangue... Agora até me está a enjoar só de falar nisso, que agora não o como, mas naquele tempo comíamos sem saber aquilo que estávamos a fazer. Arranjávamos com um dente de alho, para termos no fim do outro comer. Começava-se a pôr a sopa. Depois eram castanhas, batatas, grão, massa... ai Jesus! As pessoas comiam muito com certeza. Aqueles homens que ajudavam a arranjar o porco almoçavam. Depois a gente dizia: - Olha, fulano, se cá puderes vir à tarde ajudar. - “Está bem.” Era quando tirávamos o porco para baixo. Tinham-no pendurado, tiravam-no para baixo e depois era despedaçado. E aqueles homens que o arranjavam de manhã, à tarde vinham acabar de o arranjar. Depois cortávamos aquela carne toda em pedacinhos pequeninos e punham-nas numas gamelas. Então, tratávamos de fazermos as chouriças. Isso ainda faço, mas já é diferente. Compro a carne e faço em casa. Mas não encho logo no outro dia. Deixo estar um dia ou dois e depois é que encho. Mas naquele tempo fazíamos assim. Traçávamos aquela carne toda à noite, púnhamos alho, colorau, água e uma pinga de azeite e mexia-se bem mexidinho com uma colher de pau. E ao outro dia, por meia manhã, as mulheres da família vinham fazer as chouriças de carne e de farinha, por vezes, de sangue também. E eu gostava daquilo! Agora não. A minha mãe e eu fazíamos chouriças de duas qualidades. Esta carne que era mais branca dizia assim: - “Olha, essa bota-se para o sangue.” E era bom. Era melhor do que a outra carne mais limpa. Tinha mais gordura e comia-se assim fresquinho, era muito bom. E também fazíamos de farinha, as chamadas farinheiras, mas púnhamos um bocadinho de sangue. A minha mãe fazia. Depois, mais tarde, começámos a fazer também de pão de trigo, assim como ainda faço hoje. É bom. A gente nessa altura fazia só com trigo e gordura, mas agora ponho um bocadinho de farinha. Ponho uma quantidade de pão, trigo e ponho o resto em farinha e gordura. Ainda tenho feito. Às vezes, pedíamos a uma pessoa em que a gente tivesse mais confiança: - Ó fulano, vais-me salgar a carne? E eles vinham e salgavam a carne. A gente ia para o pé deles a dizer: - “Ponha esta, ponha aquela.” Depois íamos pôr ao fumo até secar. O tempo dependia das fogueiras que se faziam. Ainda este ano fiz. Para o ano não sei se poderei fazer, mas este ano ainda fiz. Só que agora faço sozinha. E tenho que comprar essas coisas, porque já não mato o porco. Já não temos com que o criar, nem tenho posses para o criar porque dá muito trabalho. Mas tive anos de matar dois porcos grandes. Era uma fartura. E era bom, agora não. A gente vai buscar a carne, mas já não tem o gosto que tinha antes. Porque, primeiro, éramos nós que os criávamos. Comprávamo-los pequeninos e criávamo-los. Depois aqueles torresmos tinham um cheirinho. Era comer e chorar por mais!