“Vendia-se o que sobrava”

Para a gente ter algum dinheiro vendia-se o que sobrava de milho, feijão ou batata. Aquilo que sobrava de comer. Mas, com tantos filhos, o quê que podia sobrar? Aqui a vida era assim. Uma sardinha era partida por dois. Não era fácil! Não havia fartura. Quando tosquiávamos as ovelhas, por exemplo, aproveitávamos a lã e comprávamos as mantas. Vendia-se a lã e trocava-se por mantas, para se remediar tudo. A vida era muito difícil. As pessoas era amigas umas das outras. Durante as colheitas todos ajudavam e ninguém levava nada. Hoje comia-se em casa de um, amanhã em casa de outro. E era assim. Mas quando havia fartura de milho não se dava uns aos outros. Vendia-se para fazer algum dinheiro, pois não havia outro meio de ganhar algum. A gente media o milho pelos alqueires. Se calhar ainda há alqueires. Mas agora quem é que vende milho? A terra está toda de cheia de relva. O pouco dinheiro que se ganhava era para comprar o que faltava para se comer. Senão só se comia broa e não podia ser. Mas muitas vezes era assim. Nós, graças a Deus, em casa do meu pai nunca passáramos fome. Às vezes, era pão de milho só e a sopa. Isso não faltava. Os queijos queríamos vendê-los para fazer algum tostão. Como é que haviam de os comer? Se o comiam, não os vendiam. Na altura, não tínhamos electricidade nem água, nada. Eu ia buscar água às fontes. Uma barroca era perto da minha casa e havia outra no cimo do povo. A gente ia buscar a água nos cântaros. Era água da nascente e muito boa. Ainda era mais limpa do que agora. Mesmo quando nevava no Inverno, não congelava porque estava sempre a correr.