Quando era pequena morava aqui em baixo junto ao largo da aldeia. Aí é que eu morei, mas a gente naquele tempo passou muito mal. Os meus pais faziam queijos para vender. Mas nós não os podíamos comer. Recordo-me que só nos davam o pão. Os meus pais tinham os queijos na queijeira e costumava dizer: - Só o pão, não corre! Um dia juntei-me com um irmão meu e metermo-nos no sítio, lá em cima, onde curavam os queijos. Fôramos lá e vimos que tinham muitas tábuas com queijos. Tinham o gado e iam buscar o leite aí pelas ladeiras. E eu disse assim para o meu irmão: - Ora, eles fazem-nos ir botar as ovelhas para tal sítio, então mas nós comermos só o pão não corre. Vamos aos queijos!? Ao fim, a minha mãe entrou numa porta. E eu e o meu irmão, que já estávamos combinados, fôramos lá e tiráramos o queijo maior que lá havia. Mas ficaram os outros todos para modo da minha mãe não dar pela falta dele. Mas quando sentíramos a minha mãe, ai Jesus! Fomos pelo buraco abaixo e não sabíamos onde havíamos de nos meter. Eu tinha um aventalzito, onde pus o queijo por modo de o levarmos para um sítio onde eles não estivessem. Mas quando senti a minha mãe pela porta adentro. Atirei o queijo para trás de uma arca e disse para o meu irmão: - Fica aí, porque pode vir algum gato por ali e apanhar-nos o queijo e, ao fim, ficamos sem ele. E ele ali ficou. Assim que apanháramos a minha mãe em descuido outra vez, tornáramos a meter o queijo dentro de um cestito que levávamos e fôramos botar as ovelhas, por modo de eles não ralharem com a gente. Lá fôramos os dois, botáramos as ovelhas lá para um bocado de erva e comemos o queijo. Comêramos e comêramos o queijo! E eu disse assim: - Agora nós ainda ficáramos com queijo para amanhã, mas nós não podemos levar para casa. Então, eles não os comem! E se se escangalha algum, ainda vai com uma fita em pano ou cardo para venderem-no. E a gente tem que comer só a broa, então a gente não podemos abalar para casa. Comêramos e atiráramos com aquilo com o resto do queijo, porque não podíamos levar para casa. Senão ainda nos carregavam de porrada por termos ido aos queijos que tinham para vender para trazer um dinheirito. Éramos ainda miúdos. Mais tarde, contámos ao meu pai que fôramos a tal sítio tirar-lhe o queijo: - “Então, você vendia-os todos para trazer o dinheiro e nós a comer só o pão seco... Não corria só o pão seco.” E ele ao fim já dizia: - “Se vós o dissésseis na altura, mas não, ficaram bem calados.” Sabe Deus, como fiquei quando ouvi a minha mãe a abrir a porta e eu a esconder-me pela escada abaixo por modo de não dar por falta do queijo. Era um tempo em que vendiam até o que haviam de comer para modo de trazerem um dinheirinho e pagarem, às vezes, quando queriam comprar uma sardinha que vinham aí vender às pessoas da aldeia. Os queijos iam-nos vender numa aldeia que fica por detrás de Soito da Ruiva, a gente chama agora a aldeia de São Jorge, mas que noutro tempo chamava Cebola. Íamos lá vender os queijos. Recordo-me que quando alguns ainda se escangalhavam, os meus pais, coitados, punham uma fita de roda, por modo de ainda poder vendê-lo e trazer o dinheirito. Os meus pais faziam-nos ir com eles a pé, descalços! Tinha de ir descalça para lá e eles diziam-me: - “Trouxéramos tanto, mas já temos a boca aberta para onde ele vá!? Eu dizia assim: - Comam para baixo que já não posso ir lá para tal sítio, quanto mais ir para tão longe. Mas eu ia para ajudá-los, que remédio tinha eu, se faziam-me ir. Ainda era um tempo apertado, coitados. Se eu sofri, julgo que os meus pais ainda haviam sofrer mais. Mas não me lembro, ao fim ainda apanhei alguma coisinha. Também ainda provei do tempo deles.