Foi uma vida difícil, a gente comia muita vez urtigas que nascem ao longo dos barrocos. Ferviam-nas e não se faziam amarelas, estavam sempre verdes. E para modo de as migar amassavam-nas em cima de uma mesa e embrulhavam-nas numa toalha, amassavam-nas e ao fim já lhe pegavam com as mãos para as migar. Mas eu era melindrosa, não conseguia comer, fazia troços, não engordava. Quem comia tudo a eito ainda ia indo, mas não era capaz de as comer. Estavam sempre verdes e lembrava-me de as apanhar nos barrocos. Passava mais mal. As urtigas eram comidas na sopa, que já faziam para a família toda. Cada um comia a sua tigela daquela sopa. Nós éramos aí seis filhos. Ora, seis filhos com os pais éramos oito, então tinha de ser uma panela que cozinhavam para duas refeições. Era uma panela para um regimento de gente. Todos os dias também era preciso haver. Passávamos todos mal. A gente, ao fim, ia para modo de levar os queijos para vender e já não éramos capazes de subir, porque a gente não tinha sido alimentada o suficiente e também não podia com os carregos. A minha mãe também cultivava umas batatinhas para a gente comer. Cozia-as e a gente já comíamos todos. Mas era muita família, mesmo assim. Eram precisas muitas batatas. O meu pai ia ganhar o dinheiro e ficava só a minha mãe a cultivar. Na altura, a gente ainda não podia ajudar. Éramos pequeninos. Os queijos que fazíamos íamos vendê-los para Cebola, onde chamam agora a aldeia de São Jorge, para fazer um dinheirinho para comprar, às vezes, as sardinhas. Mas não era nós que as comíamos. Mas íamos vender os queijos muito longe. Andávamos com os cestos do queijo a andar para modo de a gente trazer um dinheirinho. Mas para quê? O que era aquilo? Não era nada para tanta gente. Não chegava a nada. Passáramos muita miséria. Naquele tempo como não havia dinheiro, não vinha cá ninguém a vender. Só se fosse alguma sardinhinha que cá aparecesse vinda de outras terras. As pessoas daqui, coitadas, bem que a comiam, mas não tinham dinheiro para comprá-la. Então, lá voltavam as sardinheiras, coitadas, sem vender as sardinhas. Era um tempo muito apertado.