Não havia médico em Soito da Ruiva. Quando alguém estava doente chamavam o médico da Benfeita, que ainda era longe. Era quase metade do caminho, como daqui para Arganil. Até para mim ainda foi preciso. O meu marido veio de Lisboa, mandei-o vir para tomar conta da vida e dos filhos que eu que não estava em condições. Veio logo, mas o meu mal era ruim. Em Pomares, falou-me e disse: - “Então, se é preciso eu levo-te um médico de Avô já para cima.” O meu pai falou daqui e disse: - “Não tragas que nós estamos à espera do médico da Benfeita.” E, ao fim, quando ele chegou, chegou também o médico da Benfeita. E disse ele: - “Eu já queria trazer um médico, mas vocês disseram que estavam à espera do médico da Benfeita. E então eu não o trouxe.” Chegaram aquando um do outro. Quando chegou a casa, eu estava na cama, e o médico veio e disse assim: - “Ai, como você está? Você nem um cântaro de água pode ir buscar à fonte. Tem que estar 15 dias de cama.” O meu marido só esteve ali ao pé dele, à porta, e ao fim ficou acelerado quando ouviu dizer que ia ficar 15 dias de cama. Chegou-se ao pé de mim e disse: - “Então como é que arranjaste isto? Eu saí daqui, ficaste bem e agora o médico diz que não podes ir buscar uma cântara de água às fontes, aqui no largo?” Logo que o médico saiu, eu disse: - Ai, não posso estar na cama. Tenho que me ir embora. Não, que eu não posso estar presa. E tirei-me fora das ordens do médico. Ele deixou-me então uma caixa de comprimidos. Tinha mais de 100 comprimidos só aquela caixa. Receitou-me 15 injecções, mas só trazia oito. Veio-me cá ver daí a oito dias e trazer as outras injecções que faltavam. Chegou cá, julgava que ainda estava na cama, mas já andava aí pela rua e toda fresca. E ele disse que tinha que estar 15 dias de cama. Bem, o meu marido veio cá mas, ao fim, foi-se embora. Tinha o trabalho à espera dele. Estive assim na cama, mas levantei-me. Quando ouvi a chamarem o médico para um rapaz de cá, um cunhado meu disse-me: - “Olha, muda só a roupa de dentro, que anda aí o médico. Vai ter com ele para tornar a escutar-te.” E, ao fim, ele tinha-me dito que tinha que estar 15 dias de cama. E havia oito dias que ele veio cá e eu toda fresca. Fui ter com ele ao largo. Ele vinha do largo do outeiro para cá, devia de ir consultar o rapaz, e eu disse: - Bem, senhor doutor José, eu gostava que me tornasse a observar a ver como é que estou por dentro. Diz ele assim: - “Vou já.” Ele tinha uma besta grande. Naquele tempo não vinha cá o carro, vinha numa besta. Subi, sentei-me numa cadeira e ele só me abriu por modo de me escutar. Diz ele assim: - “Mas então o que é que seria isto? Então, mandei-a estar 15 dias de cama e já como você está? Olhe lá, você tomou os medicamentos que lhe dei?” - Olhe, senhor doutor José, a caixa dos comprimidos está na mesma conforme a deixou. O meu marido foi-se embora e não os tomei. Só apanhei as injecções. Oito injecções. Bateu-me nas costas: - “Mas então que doença seria esta? A menina gastou o seu dinheiro, pode tomar os remédios que não lhe fazem mal. Mas se fosse hoje não lhos receitava, que você não precisa deles.” Assim foi. Paguei-lhe, porque chamei-o cá, então tive que tornar a pagar-lhe, mas já não deixou medicamentos e acabou por não deixar os outros.