O nosso dia-a-dia em Soito da Ruiva era andar a cavar, semear, sachar, empalhar e enleirar. Com o sacho púnhamos o esterco empalhado no meio do milho. Era de manhã até à noite. Depois guardávamos o milho numa arca de madeira de castanho. Ainda tenho uma arca dessas! A madeira de castanho é boa. Os móveis e as gamelas para a broa também eram feitos de castanho! Mas agora já não a compram, porque está fora da estrada. Aqui tinha muito castanheiro e muita castanha. Uma data de castanheiros! Eu ia às castanhas e buscava muitos caniços de castanhas. Escolhíamos as melhores, as piladas, e aquelas que tinham as cascas púnhamo-las de parte e cozíamo-las à parte, para comer este bocado. Depois as castanhas eram pisadas num cesto. Fazia-se sopa com elas. Outras eram cozidas, só com água e sal. Tínhamos também mais frutas, como morangos, que haviam para aí nas paredes da fazenda, maçãs, peras, ameixas, figos, tinha tudo. Tinha muita vinha. Às vezes, enchia o barril de vinho e até vendia. Também tinha galinhas, gado, porcos, coelhos... Às vezes, matávamos um coelho para comer. Eu também guardei muito gado meu e das vizinhas. Nunca me fugiu nenhuma cabra! Nada! Só me ficou uma borrega amparada numa peneda e, ao fim, só dei por falta dela à porta do gado. Ao fim ao outro dia de manhã botei o gado e fui andar onde tinha andado com elas e fui encontrá-la no meio de duas penedas. Já não a podia tirar dali para fora. Tinha morrido, mas os lobos não deram com ela. Foi sorte grande. E lá ficou. Carreguei também muita pedra. E todo o mundo viu que acartei muita. As mulheres é que acartavam as pedras para ganhar o dinheiro. O que é que ganhámos? Eram 25 tostões! Dava à minha mãe todo, para uma caixa de fósforos e um bocado de sabão. Nem chegava para um bocado de sabão. Os rapazes não estavam aqui, tinham ido para Lisboa. Os pedreiros que faziam as casas eram lá de baixo do Sobral. Na aldeia, as casas são todas de pedra, tal como a minha casa. Tem muitas aí que são em pedra, mas são caiadas por fora. O meu telhado era de lajes de lousa. Agora são de telha. Hoje em dia, passo os meus dias em casa, outras vezes vou para Arganil. No Inverno é muito frio aqui. Quando há frio não se aguenta, então fico na cozinha à lareira. Quando nevava, recordo que em miúda a gente juntava-se lá fora e fazia bolas de neve muito grandes e bonecos. Nessa altura, já tínhamos a hortaliça guardada para os animais, porque eles não iam para a serra. Agora não fico cá sempre. Ainda estive em Arganil dois meses e torno-me a ir embora na Páscoa. Vou lá passar a Páscoa. Quando estou em Soito da Ruiva vou ali para o sol. Fico ali virada para o sol e falo com os vizinhos.