“Para mim era tudo igual”

Depois viemos para Lisboa. Eu fui para a escola em Lisboa. Era uma escola do Estado e havia primeiro, segundo e terceiro andar. Lá fiz a quarta classe, mas era uma aluna muito boa. Era miudita, mas toda a gente gostava de mim. A gente ia para o recreio e eu via as alunas, aquelas que se faziam mais ricas. Eu não era rica, era só remediadita. Como eu era boa aluna, as ricas puxavam sempre por mim. Todas as professoras gostavam de mim. Quando íamos todos para o recreio elas puxavam para eu ir de braço dado com elas passear. O recreio era um largo muito grande. E eu ia, mas depois via as pobres todas a um canto e aquilo doía-me e eu dizia:

- Eu já não quero já andar, dói-me as pernas, não posso estar aqui a andar.

Ia-me sentar num murozito baixo que lá estava, a contar histórias. Umas eram as que eu tinha lido, outras eram umas que a minha tia me contava. Ia lá a casa fazer um serviço e contava-me. Daí a pouco estavam as ricas ao pé das pobres. Estava tudo junto, porque as ricas também queriam ouvir a história. Eu fazia aquilo e as professoras ficavam sensibilizadas com aquele acto que eu fazia porque não queria distinguir as ricas das pobres e as pobres das ricas. Era tudo igual. Para mim era tudo igual. Tinha pena de todas. Ajudava as que podia. Algumas ricas até que eram mais atrasadas, que não eram tão boas na escola, eu chegava a leva-las ao mapa. Era eu pequenita. Era pequena de estatura, mas levava-as ao mapa. Eu conhecia, naquele tempo as cidades e as batalhas, era tudo no mapa. As batalhas em tal data. Era assim que se via. Ainda no mapa de Portugal a gente tinha que dizer aquilo e fixar aquilo tudo. Depois como era muito boa aluna, todos os meses me davam uma lembrançazinha, mas era uma lembrançazinha pequenita, daquelas que as professoras davam para incentivarem as alunas a fazerem qualquer coisa, porque era até à quarta classe.